terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - Técnica e retórica

Folha de S. Paulo

Modelo do Banco Central pode ser critica, mas é preciso enfrentar o debate científico real

Um aspecto da discussão sobre a taxa de juros do Banco Central lembra, em sua configuração, a discussão entre Anvisa, Instituto Butantan e os antivacina: um lado aposta no rigor técnico, o outro na retórica política.

Em primeiro lugar, a importante diferença: a discussão da vacina tinha, de um lado, cientistas; do outro, pura e simplesmente, uma campanha de fake news e desinformação levada adiante por propagandistas.

O debate sobre os juros opõe um lado dominante, ortodoxo, da ciência econômica contemporânea a um outro, heterodoxo, que, embora marginal no debate econômico mundial, também representa um grupo com pesquisadores e publicações acadêmicas.


Ocorre que, assim como os militantes antivacina em 2021, o lado heterodoxo do debate econômico parece ter optado por travar a discussão apenas na arena pública, buscando persuadir os leigos, e não os especialistas.

Narrativas, histórias que deem sentido aos assuntos em debate, são parte necessária do nosso entendimento do mundo. Uma indústria farmacêutica gananciosa que quer lucrar enganando famílias com vacinas perigosas e desnecessárias; uma elite de banqueiros que quer manter os juros altos a todo custo para ganhar mais dinheiro, ainda que isso prejudique o grosso da população. São narrativas simples e com claro apelo popular. Quem não gosta de se sentir numa guerra justa contra um vilão poderoso?

Mas o Banco Central tem um modelo para embasar sua decisão sobre a Selic. Esse modelo pode ser criticado, assim como modelos alternativos podem ser propostos, mas para travar esse tipo de discussão é preciso enfrentar o lado técnico da questão. Apresentar um modelo, apontar falhas no atual, realizar testes empíricos rigorosos para saber qual mais se aproxima da realidade. E isso simplesmente não foi feito até agora.

Apesar de vociferarem contra a vacina, nenhum dos críticos tinha um artigo acadêmico que mostrasse seus supostos perigos. Ficava tudo no nível da observação casual e da teoria de conspiração. Há algo de profundamente desonesto na crítica de um tema técnico que parte imediatamente para a persuasão popular e se nega a se engajar no debate científico real. Isso vale tanto para quem questionava a vacina quanto para quem questiona a política do BC.


A retórica não é algo ruim, não é uma ferramenta para enganar o público, embora possa ter esse papel. Ela é, antes, a capacidade de comunicar algo de forma que faça sentido e persuada o ouvinte. Numa democracia, esse trabalho de persuasão pública é essencial, porque a opinião pública influi nas decisões da sociedade.

A democracia liberal do voto está consolidada, mas permaneceu por décadas com a população tendo voz apenas no momento do voto. Só agora vivemos, com as redes, uma democratização também do debate público. E isso exige, por parte dos especialistas, um esforço adicional para se fazer compreender.

O trabalho dos técnicos depende de inúmeras decisões, e leigos —incluindo aqui a classe política—, e mais do que nunca eles, fazem questão de participar do debate. A carteirada do "especialista" tem cada vez menos poder de terminar uma discussão.

Por isso, considero um acerto de Roberto Campos Neto ter concedido entrevista ao Roda Viva. Ver economistas engajados nesse trabalho de esclarecimento —e convencimento— público, sempre buscando se aproximar de uma linguagem acessível aos leigos, é também um efeito colateral positivo dessa discussão conduzida de maneira tão equivocada pelo governo.

4 comentários:

  1. Pouco lógica a analogia com as vacinas. E ainda confundiu a questão das vacinas, sem diferenciar que a da Covid era uma nova realidade, um produto feito às pressas, com resultados menos eficientes que a maioria das vacinas anteriores, mais bem testadas e conhecidas, frutos de muitos anos de amplas pesquisas.

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  2. De um lado, o rigor; de outro, a retórica, sem nenhum fato experimental - perfeita a análise!

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  3. É um erro grosseiro supor que os defensores da atual (e gigantesca) taxa de juros do Banco Central tenham dados e "rigor", e que seus críticos usem apenas a "retórica". A principal diferença entre as 2 posições é quanto aos fatores (ou às variáveis) que cada lado considera principais e as consequências buscadas ou esperadas com a taxa escolhida, o que evidentemente leva a diferentes conclusões sobre a adequação desta taxa.

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  4. Não gostei da analogia,nada a ver,que me desculpe o grande colunista,com certeza ele entende do riscado bem mais do que eu.

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