sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Fabio Giambiagi -Regra fiscal II: o teto

O Globo

A proposta é que a regra a ser apresentada pelo governo considere uma hipótese de despesa prevista para 2023 de R$ 1,98 trilhão

Em artigo anterior, discutimos qual deveria ser a atitude que o governo deveria ter acerca do chamado “extrateto”, na regra que deverá propor ao Congresso nos próximos meses. Com vistas a colaborar nesse debate, este é parte de um conjunto de três artigos com ideias a esse respeito.

O artigo de hoje versará sobre o “X da questão”, ou seja, qual deveria ser o valor X do teto no ano inicial de referência, que a sugestão aqui feita é que seja 2024. Em nosso próximo encontro, trataremos da proposta de regra de variação do teto de 2025 em diante.

Para que o leitor tenha uma ideia mais precisa do que está em jogo, tomemos como referência o ano de 2022. Nele, houve cinco números-chave em jogo, no critério dito de “valor pago”: i) a despesa, de R$ 1,799 trilhão; ii) o teto, de R$ 1,681 trilhão; iii) as despesas sujeitas ao teto, de R$ 1,642 trilhão; iv) a chamada “margem”, ou seja, o que poderia ter sido gasto dentro do teto e não foi, correspondente à diferença entre (ii) e (iii), ou seja, R$ 39 bilhões; e v) o “extrateto”, que é a diferença entre o que foi gasto na prática e o valor das despesas sujeitas ao teto, que se referem a um universo parcial do gasto total, levando em conta as exceções.

Este item é então o resultado de subtrair da despesa (i) o item (iii), subtração essa que nos dá o resultado de R$ 157 bilhões.

Deixando de lado possíveis despesas futuras que continuariam a ser excepcionalizadas na rubrica de “créditos extraordinários”, isso significa que o teto futuro deveria ser razoavelmente superior ao atual, pelo fato de medir coisas diferentes, uma vez que o atual não contempla uma série de exceções tratadas como parte do “extrateto” e que, na regra futura, seriam levadas “para dentro” do teto.

Assim, esse princípio, se tivesse sido adotado em 2022 deveria levar, grosso modo, a um teto que corresponderia à despesa observada de R$ 1,799 trilhão, mais a margem que não foi gasta de R$ 39 bilhões e que poderia ter sido gasta, soma essa que dá um total de R$ 1,838 trilhão.

A proposta é que a regra a ser apresentada pelo governo considere uma hipótese de despesa prevista para 2023 de R$ 1,98 trilhão e sinalize para um valor inicial de referência de 2024, com quatro componentes:

• a inflação esperada para 2023, de 6%;

• um crescimento real de 1%;

• um ajuste preventivo de 0,5% para dar conta de possíveis diferenças entre a inflação prevista e a observada; e

• um plus da ordem de R$ 20 bilhões, para regularizar o valor do fluxo de precatórios, desfazendo a aberração cometida com a “PEC dos precatórios” de 2021, batizada na época pela imprensa como “PEC do calote”.

O resultado dessa multiplicação é uma despesa em 2024 de R$ 2,150 trilhões. Assim, sugere-se que a proposta legislativa enviada pelo Executivo ao Congresso explicite esse teto global de despesa em 2024.

Considerando uma possível despesa de R$ 10 bilhões com créditos extraordinários, um PIB em 2023 de R$ 10,5 trilhões e, para 2024, parâmetros de crescimento do PIB e de variação do deflator implícito de 1,5% e de 5,0%, respectivamente, teríamos em 2024 um gasto potencial de R$ 2,160 trilhões e um PIB estimado em R$ 11,190 trilhões.

Em outras palavras, o gasto seria de 19,3 % do PIB, exatamente o mesmo patamar de 2018, no final do governo Temer.

A diferença é que, naquela oportunidade, a receita líquida do governo central foi de 17,6% do PIB, enquanto em 2022 já tinha alcançado 18,9% do PIB, mesmo sob a gestão liberal de Paulo Guedes, razão pela qual faria sentido aspirar a ter como objetivo conservar esse valor em 2024, o que nos deixaria com um déficit primário da União de 0,4% do PIB, passível de virar superávit ainda no atual governo.

A partir daí, seria necessário postular um crescimento do gasto modesto e inferior ao da economia, para voltar a reduzir paulatinamente a relação gasto/PIB, como entre 2016 e 2022.

Continua no terceiro e último capítulo, daqui a duas semanas.

 

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