sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Ricardo Mendonça - Novas vias para formar maioria no Congresso

Valor Econômico

Coordenação política e queda do número de partidos com representação no Congresso favorecem Lula

No longínquo março de 1995, quando o então recém-eleito Fernando Henrique Cardoso começava a exercer seu primeiro mandato como presidente da República, o sociólogo e cientista político Leôncio Martins Rodrigues publicou um artigo na revista “Novos Estudos”, do Cebrap, chamando a atenção para o preocupante aumento do número de partidos com representação no Congresso e seus potenciais efeitos nocivos sobre a governabilidade.

Professor Leôncio, como muitos o chamavam, discutia o risco de comprometimento de uma maioria parlamentar estável de sustentação ao Executivo, situação que, na sua avaliação, poderia prejudicar ou impedir a realização do programa de governo vencedor das eleições de 1994.

Ele lembrava que a situação política brasileira pós-ditadura foi marcada por presidentes minoritários diante de um Congresso partidariamente fragmentado. E que o resultado disso era uma situação em que o Executivo, “amplamente dependente de maiorias ad hoc” era levado a negociar pontualmente com grupos de partidos ou de parlamentares “cujo papel de situação ou oposição é muito instável e não muito claro”.

O “multipartidarismo extremado” trazia outros problemas, dizia. Submetido a negociações constantes, o Executivo era obrigado a substituir ministros com frequência mais acelerada, via para obter apoio parlamentar. Isso rebaixaria os níveis de eficiência governamental, seja pelo menor acúmulo de experiência dos chefes de cada pasta, seja pelo afastamento do critério da competência.

Vinte e oito anos atrás, o que alarmava o professor Leôncio era o fato de a Câmara iniciar aquela legislatura com deputados de 16 diferentes partidos. Na eleição de 1986, a que deu origem à Constituinte, eram 11 agremiações, ressaltava, o que, conforme a literatura, já “incluiria o sistema partidário brasileiro na classe do pluralismo extremado”.

O sistema partidário brasileiro era tranquilo e não sabia.

Em 1998, quando FHC foi reeleito, o número de partidos com representação na Câmara subiu para 18. Em 2002, ano da primeira vitória de Lula, avançou para 19. Na reeleição do petista, cresceu para 21. Em 2010, quando Dilma Rousseff chegou lá, evoluiu para 22. No ano de sua recondução, saltou para 28. E em 2018, com Jair Bolsonaro, alcançou o recorde de 30 diferentes agremiações.

 

Enquanto o número de partidos escalava, a ideia que associa fragmentação partidária às principais mazelas da política foi alçada ao posto de uma quase unanimidade entre analistas.

Do atraso nas reformas ao aumento do descrédito da população com a política, passando por corrupção, fisiologismo, clientelismo e pelo encarecimento das campanhas, sempre aparecia alguém para atribuir a culpa, ou parte dela, à proliferação do número de partidos no Brasil.

Eis então uma notável novidade oficializada na posse dos novos membros do Poder Legislativo na última quarta, dia 1º. Pela primeira vez em décadas, o número de partidos políticos com representação no Câmara dos Deputados recuou.

Com o aumento da régua da chamada cláusula de barreira (votação mínima que uma legenda precisa obter para garantir acesso a fundos públicos e tempo de TV) e a proibição de coligações em eleições proporcionais, os 513 deputados que assumiram seus mandados nesta semana são representantes de 23 partidos. Considerando as federações partidárias - modalidade de atuação conjunta de partidos que estreia nesta legislatura -, esse número cai para 19, o mesmo patamar de 2002.

Por uma questão de lógica e coerência com tudo o que vem sendo dito há décadas, portanto, trata-se de uma boa notícia para Lula.

Se, ao longo de 30 anos, os mais diversos observadores estiveram certos ao apontar efeitos nocivos à governabilidade decorrentes da fragmentação partidária, é razoável presumir que agora, com a novíssima tendência de refluxo da proliferação partidária, Lula terá um pouco mais de refresco que seus antecessores imediatos na relação com o Legislativo.

A tendência de queda no número de partidos com representação no Congresso não é o único fator a contribuir para uma situação de maior racionalidade nas relações do Executivo com o Legislativo.

Outra novidade é a volta de uma coordenação de governo para as tratativas com deputados e senadores.

Por desorganização, incompetência ou mesmo desprezo a um dos principais predicados do ofício político, a negociação, isso deixou de existir durante os quatro anos de Jair Bolsonaro no poder.

No esforço para a conquista de votos, uma coordenação de governo minimamente atenta terá condições de vincular votações de interesse do governo ao atendimento de demandas de governadores, por exemplo, agentes com relevante influência sobre as bancadas regionais.

Órgãos colegiados, o Conselhão (aquele fórum composto por uma mescla de representantes da sociedade civil) e posicionamento dos partidos da base governista nas assembleias legislativas, entre outras coisas, também são instâncias que, com boa coordenação, podem ser articuladas para contribuir para formação de maiorias.

O apoio do PT sem sofrência à indicação do deputado Jhonatan de Jesus ao Tribunal de Contas da União diz algo sobre o novo padrão de profissionalismo. Jesus é do Republicanos, que estava na coligação de Bolsonaro, e sua candidatura foi apadrinhada pelo reeleito presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Conta ainda a favor do governo um aspecto autóctone da cultura política nacional: a baixa demarcação ideológica da maioria dos eleitos. É difícil imaginar conciliação com parte dos bolsonaristas mais impetuosos. Mas eles são minoria. No Centrão, o grupo mais numeroso trabalha com outros códigos.

Uma constatação sugestiva dá pistas do grau de dificuldade que o governo deve encontrar para formar maiorias. Com exceção do Novo, todos os partidos que se declaram de oposição ao atual governo já foram apoiadores de Lula em algum lugar do passado.

 

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