quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Vinicius Torres Freire - O futuro de Lula no mundo novo

Folha de S. Paulo

Brasil é uma miudeza nas correntes da economia mundial, que estão mudando rápido

O ano político foi consumido até aqui pelo horror do levante golpista de 8 de janeiro e pela querela das taxas de juros.

taxa básica de juros subiu por uma conjunção danada de motivos. Se subiu demais ou se está ou permanecerá alta demais, pode até ser motivo de debate esclarecido, o que não tem sido o nosso caso. Mas não subiu por caprichos.

A fim de ter alguma noção dos motivos dessa alta, é preciso prestar atenção no que se passa pelo mundo —ser menos jeca. Embora sejamos capazes de cometer muita besteira e crueldade automutilatórias, o Brasil é uma miudeza carregada por correntes econômicas internacionais.

A partir do terço final de 2021, os preços começaram a subir rapidamente, aqui e lá fora. Talvez as taxas de juros tenham caído além da conta durante a epidemia, assim como talvez tenha havido algum excesso nos gastos de governos. No ambiente de recuperação até rápida do consumo de 2021, os choques de abastecimento da Covid fizeram o caldo entornar.

Houve escassez de transporte de mercadorias ou falta de peças e matérias-primas, entre outros problemas de quebra de uma cadeira de produção que é internacionalizada.

No final de 2021, começava também uma crise global de energia. A guerra de Vladimir Putin inflamou preços de combustíveis e ainda provocou carestia de commodities como comida, criou incerteza e deprimiu ânimos econômicos, em particular na Europa.

Além da avacalhação dos gastos do governo das trevas (2019-2022), notória em fins de 2021 (o que elevou juros no mercado, basta checar os registros), o Banco Central do Brasil teve de lidar com essa enxurrada de choques mundiais.

O Banco Central está certo em sugerir que a Selic talvez deva ficar em 13,75% até o fim do ano? Talvez não. Nem economistas de "o mercado" ainda acreditam nisso. A mediana das projeções compiladas pelo BC é de Selic a 12,75% no final deste 2023 (na onda de otimismo que vinha com a eleição de Lula, caíra a 11,25%. Com o sururu da querela fiscal e monetária, subiu).

Seja como for, a mudança do nível da Selic a curto prazo não vai fazer muito pelo crescimento do país, que depende de muito mais, inclusive do que se passa lá fora.

Na melhor das hipóteses, o biênio 2023-2024 será fraco na economia mundial, com inflação e juros ainda altos e, pois, baixo crescimento. Além disso, a epidemia, a guerra de Putin e a guerra fria sino-americana vão, ao que parece, transformar o modo pelo qual se produz e se comercia no mundo.

A gente ouve slogans bombásticos como "desglobalização", embora as mudanças não venham no ritmo, direção, sentido e forma apregoados pelos videntes. Mas estão vindo. Descarbonização, economia verde, produção em alguma medida mais local de tecnologias sensíveis e avançadas, procura de fornecedores mais confiáveis de componentes e matérias-primas, inteligência artificial: tudo isso tem sido objeto de políticas dos países centrais, a começar pelos Estados Unidos. Outros países do "Ocidente" virão a reboque. Para ser mais claro: isso quer dizer governos intervindo e gastando para induzir a economia a ir por aqui ou por ali.

Haverá oportunidades: ser um fornecedor confiável, descobrir nichos produtivos. Há riscos enormes: obsolescência tecnológica ainda maior e exclusão socioambiental de mercados (por produção "suja" ou por meio de exploração econômica aviltante).

Em fins de 2021, o Brasil era visto como um emergente com possibilidades maiores do que seus pares, a curto prazo. A médio prazo, podemos achar nichos ou vermos o resto da indústria que temos, como de carros, se tornar de vez obsoleta ou encontrarmos barreiras para nossas commodities ambientalmente incorretas.

 

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