segunda-feira, 13 de março de 2023

Alex Ribero - Sacrifício para baixar a inflação pode ser maior

Valor Econômico

Banco Central quer saber se queda do crédito vai afetar a atividade econômica

Setores do mercado financeiro estão colocando as fichas num cenário de baixa dos juros pelo Banco Central tão cedo quanto maio. Não dá para descartar, a priori, essa possibilidade, porque muita coisa pode acontecer até lá, incluindo a apresentação de uma nova regra fiscal. Mas a aposta parece ter bases frágeis: a premissa é que o BC vai se assustar com a desaceleração do mercado de crédito e reduzir a taxa Selic.

Naturalmente, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central está de olho em mais do que a simples desaceleração do mercado de crédito para iniciar um eventual ciclo de distensão monetária. O foco é cumprir as metas oficiais de inflação. E há várias questões no caminho para saber se o temido “credit crunch” vai, de fato, ter efeitos para baixar a inflação.

A primeira questão é se os episódios envolvendo a Americanas e a Light vão, mesmo, provocar uma parada substancial do mercado de crédito e de capitais, multiplicando os efeitos do aperto monetário. Na semana passada, o Banco Central mandou a mensagem de que isso não está acontecendo até agora, por meio da ata de seu Comitê de Estabilidade Financeira (Comef). Há eventos localizados que preocupam, como os resgates de cotas de fundos de investimentos - e que, caso se prolonguem, podem provocar novas rodadas de deterioração no mercado de títulos privados.

Mas o Comef, por ora, não vê essa crise localizada se espalhando para o mercado de crédito como um todo. Ainda assim, aparentemente, segue vigiando de perto, levando muito a sério todos os alertas que estão sendo feitos pelos operadores que sentem mais de perto o pulso desses mercados. Se a coisa piorar, a tendência seria entrar com instrumentos macroprudenciais, incluindo as a injeção de recursos no sistema nas novas linhas de assistência de liquidez e a liberação de depósitos compulsórios.

Um dos segmentos do mercado para os quais o Comef chamou a atenção, na ata, que não tem nada a ver com a crise da Americanas, é o sistema de poupança e financiamentos imobiliários. Os saques da poupança têm sido muito fortes. Isso costuma ocorrer quando os juros básicos ficam muito altos, e a caderneta de poupança, que tem travas na remuneração, perde competitividade. No passado, em situações semelhantes, o Banco Central liberou compulsórios sobre a caderneta de poupança ou flexibilizou o direcionamento mínimo de recursos para habitação.

Tudo isso está na seara da estabilidade financeira. É possível ter algumas pistas sobre como o Banco Central vai tratar do assunto na área de política monetária no questionário pré-Copom, divulgado na sexta-feira, em que o comitê faz perguntas sobre o estado da economia para os especialistas que respondem o boletim Focus.

Nesse questionário, o Copom pede a estimativa dos analistas sobre a evolução do mercado de crédito, em seus diversos segmentos. É uma pergunta padrão, feita nos meses em que o Banco Central divulga o seu Relatório de Inflação, mas ganha maior importância em meio a todos os alertas sobre um “credit crunch”. Será que os especialistas estão rebaixando as suas previsões para o mercado de crédito?

Uma novidade é que o Banco Central pede uma avaliação qualitativa do que está mexendo nas projeções de crédito do mercado. E pergunta, adicionalmente, como as projeções do mercado sobre o crédito estão influenciando as perspectivas para a atividade econômica.

No fim das contas, o crédito importa para o Copom porque é um dos vetores de sustentação da atividade econômica. Desde fins de 2021 o Copom vem procurando esfriar a economia, com juros no terreno restritivo, para ampliar a capacidade ociosa e criar uma força desinflacionária. A pergunta é se os especialistas veem uma desaceleração de crédito tão forte que derrube a atividade.

O que se sabe, até agora, é que os analistas econômicos aumentaram as suas previsões para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano de 0,77% para 0,85% desde que o escândalo da Americanas foi tornado público, segundo o boletim Focus.

Se, por hipótese, os analistas econômicos chegarem à conclusão de que o crédito vai fazer a economia embicar para baixo, o que resta saber é se a desaceleração vai ser suficiente para trazer a inflação à meta.

Até fins do ano passado, o processo desinflacionário teria os seus custos usuais, com a desaceleração da economia. Mas esse custo para baixar a inflação vem aumentando ultimamente, em decorrência do processo de desancoragem das expectativas de inflação. O Copom discutiu a fundo a questão no seu encontro de fevereiro, segundo a ata então divulgada pelo colegiado. Com inflação desancorada, o sacrifício, em termos de perda de atividade econômica, tenderá a ser maior.

Quem olha o conjunto das expectativas de mercado percebe que, por enquanto, o hipotético “credit crunch” não mexeu com as projeções de inflação. Os juros futuros de curto prazo recuaram, mas as inflações implícitas não tiveram o mesmo desempenho. O Focus está em trajetória aberta de piora. No conjunto, os preços de mercado dão o recado de que o mercado espera que o Copom baixe logo os juros, mesmo sem um cenário desinflacionário se firmar de forma segura.

No fim das contas, parte do mercado faz uma aposta de que o Banco Central corte os juros com base apenas num cenário de risco - no caso, um colapso do crédito que, ao fim, levaria à queda da inflação.

O trabalho de baixar a inflação para as metas provavelmente vai ocorrer do lado mais dolorido. Em situações semelhantes de desinflação, a gritaria do lado político e do setor real da economia chegou a patamares muito mais altos.

Nada disso quer dizer que um corte de juros num curto horizonte de tempo seja impossível, mas dependeria de uma ação do governo Lula para ajudar a restabelecer a credibilidade da política monetária. O Copom tem reconhecido os progressos na área fiscal, mas eles foram apagados pelas dúvidas sobre as metas de inflação e a independência do BC.

 

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