terça-feira, 14 de março de 2023

Carlos Andreazza - Lula de Lira

O Globo

Arthur Lira disse que o governo Lula precisa de tempo para se estabilizar internamente. É uma avaliação. Para o presidente da Câmara, o novo governo estaria instável. Diagnosticou. E seria o caso de lhe dar tempo. Receitou.

De estabilidade e tempo — de estabilidade no tempo —, Lira entende. Sua família indica diretores da CBTU desde 2007. Deu neste GLOBO. O atual presidente da estatal ascendeu à chefia em 2017, sob Temer, apadrinhado pelo deputado. Temer, Bolsonaro, Lula — e o trem segue. Não descarrila.

— Teremos um tempo para que o governo se estabilize internamente — foi o que falou.

Que o uso do plural não engane. Não existe nós. Nem apenas uma avaliação. É Lira, o avaliador, quem controla o tempo, que concede. E o tempo está correndo... Corre contra o governo desequilibrado. Avaliação e faca no pescoço. Lira dita o ritmo e amola a lâmina. É como avança. Nos trilhos.

O governo ainda não se estabilizou em casa — o que comunica com o “internamente”. Externamente será com ele, Lira — o do tempo, da lâmina e da fatura. E, externamente, “o governo ainda não tem” base de apoio consistente. Vende dificuldades.

Quase disse que o governo que ora se preocupa com base de apoio nem sequer tem o que votar no Parlamento. Quase disse. E foi entendido. Que só se testa base — e não será barato — com projetos a ser votados. Cadê? O ano avança. E Lira, o senhor da conta, espalha-se. Terá trabalho. Trabalho tem custo. Enquanto isso, antecipando-se, ocupa as caçambas de um comboio ainda parado; e com tempo para afiar a faca e mostrar o fio. Está exibido.

Tem a CBTU, a Codevasf, o Dnocs — e contando. E então lemos que o Planalto entrega — ou mantém as entregas dos outros — por medo de, ao lhe enfrentar os interesses, Lira travar o governo. Não que lhe falte poder. Mas é o próprio, que manja dos trilhos, quem informa: o trem ainda não se moveu e já está travado.

O governo bambo, que ainda não está em condições de votar grandes matérias no Congresso — para o que, quando a hora chegar, dependerá de mim. E será caro. É o que informa. E Lira decerto exclui a presença de elementos como Juscelino Filho da equação desestabilizadora. Coisa de ilusionista. Gere o tempo do governo, põe-lhe a faca no pescoço e desconsidera o atraso imposto por desequilíbrios internos que ajuda a forjar e manter.

Lira tem também Juscelino, que divide com Alcolumbre, que é o Pacheco que não devemos ver. Esse arranjo, equilíbrio balanceado em orçamentos secretos, talvez defina o que o presidente da Câmara chamou de “Congresso com atribuições mais amplas”. Ele disse:

— Temos um governo que foi eleito com margem de votos mínima e que precisa entender que temos Banco Central independente, agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com atribuições mais amplas.

Avento se um governo eleito com imensa margem teria um Lira com largura menor, com atribuições menos amplas.

Lira é estável, condição vitalícia, daí que se sinta à vontade para usar o resultado parelho da eleição — placar apertado que as “atribuições mais amplas” do Congresso facilitaram, aprovada a PEC Kamikaze, programa de financiamento público à reeleição de Bolsonaro — de modo a emparedar o governo eleito.

As “atribuições mais amplas do Congresso” derivam da necessidade de aumentar a superfície de partilha do Estado, dado que Lira e sócios não apenas garantem o que já detêm como se espalham para além. A existência dos espaçosos Lira e Alcolumbre, com muitos braços e elmares, deixa mais caro mesmo, talvez impossível, ter a tal base de apoio. É preciso encontrar novos feudos. Mas até o Estado brasileiro tem finitude.

A conta não fecha, mas o recado é: o governo tem de sustentar o que os donos do Parlamento controlam, para sustar qualquer risco de impeachment; e ainda negociar com a arraia-miúda parlamentar, deputado por deputado, a cada votação.

Tratando da reforma tributária, Lira declarou:

— Nós temos um Congresso que hoje tem atribuições mais amplas, e que isso precisa ser negociado com bom senso, muita conversa, amplitude, clareza, mas com rumo. E o rumo nós precisamos defini-lo agora em março. Nós não temos um rumo definido, um encaminhamento feito.

Atribuições mais amplas tem Lira. Clareza. Rumo. O consórcio parlamentar que dirige conseguiu driblar o Supremo para formalizar o orçamento secreto. Que continua. Continua Juscelino. Continua a Codevasf. A Codevasf de Bolsonaro sendo homologada, agora, pelo governo de Lula — é um dos encaminhamentos que Lira, com bom senso, dá ao governo sem rumo.

E o governo Lula — que assinou contratos de asfaltamento (atividade que deturpa a natureza da Codevasf) que somam cerca de R$ 650 milhões, conjunto herdado de pregões havidos sob Bolsonaro, dos quais transbordam evidências de cartelização — continua sem base de apoio no Congresso.

 

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