O Globo
Arthur Lira disse que o governo Lula
precisa de tempo para se estabilizar internamente. É uma avaliação. Para o
presidente da Câmara, o novo governo estaria instável. Diagnosticou. E seria o
caso de lhe dar tempo. Receitou.
De estabilidade e tempo — de estabilidade
no tempo —, Lira entende. Sua família indica diretores da CBTU desde 2007. Deu
neste GLOBO. O atual presidente da estatal ascendeu à chefia em 2017, sob
Temer, apadrinhado pelo deputado. Temer, Bolsonaro, Lula — e o trem segue. Não
descarrila.
— Teremos um tempo para que o governo se
estabilize internamente — foi o que falou.
Que o uso do plural não engane. Não existe
nós. Nem apenas uma avaliação. É Lira, o avaliador, quem controla o tempo, que
concede. E o tempo está correndo... Corre contra o governo desequilibrado.
Avaliação e faca no pescoço. Lira dita o ritmo e amola a lâmina. É como avança.
Nos trilhos.
O governo ainda não se estabilizou em casa — o que comunica com o “internamente”. Externamente será com ele, Lira — o do tempo, da lâmina e da fatura. E, externamente, “o governo ainda não tem” base de apoio consistente. Vende dificuldades.
Quase disse que o governo que ora se
preocupa com base de apoio nem sequer tem o que votar no Parlamento. Quase
disse. E foi entendido. Que só se testa base — e não será barato — com projetos
a ser votados. Cadê? O ano avança. E Lira, o senhor da conta, espalha-se. Terá
trabalho. Trabalho tem custo. Enquanto isso, antecipando-se, ocupa as caçambas
de um comboio ainda parado; e com tempo para afiar a faca e mostrar o fio. Está
exibido.
Tem a CBTU, a Codevasf, o Dnocs — e
contando. E então lemos que o Planalto entrega — ou mantém as entregas dos
outros — por medo de, ao lhe enfrentar os interesses, Lira travar o governo.
Não que lhe falte poder. Mas é o próprio, que manja dos trilhos, quem informa:
o trem ainda não se moveu e já está travado.
O governo bambo, que ainda não está em
condições de votar grandes matérias no Congresso — para o que, quando a hora
chegar, dependerá de mim. E será caro. É o que informa. E Lira decerto exclui a
presença de elementos como Juscelino Filho da equação desestabilizadora. Coisa
de ilusionista. Gere o tempo do governo, põe-lhe a faca no pescoço e
desconsidera o atraso imposto por desequilíbrios internos que ajuda a forjar e
manter.
Lira tem também Juscelino, que divide com
Alcolumbre, que é o Pacheco que não devemos ver. Esse arranjo, equilíbrio
balanceado em orçamentos secretos, talvez defina o que o presidente da Câmara
chamou de “Congresso com atribuições mais amplas”. Ele disse:
— Temos um governo que foi eleito com
margem de votos mínima e que precisa entender que temos Banco Central
independente, agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com
atribuições mais amplas.
Avento se um governo eleito com imensa
margem teria um Lira com largura menor, com atribuições menos amplas.
Lira é estável, condição vitalícia, daí que
se sinta à vontade para usar o resultado parelho da eleição — placar apertado
que as “atribuições mais amplas” do Congresso facilitaram, aprovada a PEC
Kamikaze, programa de financiamento público à reeleição de Bolsonaro — de modo a
emparedar o governo eleito.
As “atribuições mais amplas do Congresso”
derivam da necessidade de aumentar a superfície de partilha do Estado, dado que
Lira e sócios não apenas garantem o que já detêm como se espalham para além. A
existência dos espaçosos Lira e Alcolumbre, com muitos braços e elmares, deixa
mais caro mesmo, talvez impossível, ter a tal base de apoio. É preciso
encontrar novos feudos. Mas até o Estado brasileiro tem finitude.
A conta não fecha, mas o recado é: o
governo tem de sustentar o que os donos do Parlamento controlam, para sustar
qualquer risco de impeachment; e ainda negociar com a arraia-miúda parlamentar,
deputado por deputado, a cada votação.
Tratando da reforma tributária, Lira
declarou:
— Nós temos um Congresso que hoje tem atribuições
mais amplas, e que isso precisa ser negociado com bom senso, muita conversa,
amplitude, clareza, mas com rumo. E o rumo nós precisamos defini-lo agora em
março. Nós não temos um rumo definido, um encaminhamento feito.
Atribuições mais amplas tem Lira. Clareza.
Rumo. O consórcio parlamentar que dirige conseguiu driblar o Supremo para
formalizar o orçamento secreto. Que continua. Continua Juscelino. Continua a
Codevasf. A Codevasf de Bolsonaro sendo homologada, agora, pelo governo de Lula
— é um dos encaminhamentos que Lira, com bom senso, dá ao governo sem rumo.
E o governo Lula — que assinou contratos de
asfaltamento (atividade que deturpa a natureza da Codevasf) que somam cerca de
R$ 650 milhões, conjunto herdado de pregões havidos sob Bolsonaro, dos quais
transbordam evidências de cartelização — continua sem base de apoio no
Congresso.
Pior é que é isso aí
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