segunda-feira, 20 de março de 2023

Carlos Pereira* - O orçamento secreto de Lula

O Estado de S. Paulo.

Lula resgata a moeda que dá força ao presidencialismo de coalizão, mas mantém o sigilo

Tem havido muita confusão sobre o que seria o “orçamento secreto”. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), nega sua existência ao argumentar que seria possível identificar na sua execução onde e quanto dos recursos estariam sendo alocados e quais os parlamentares beneficiados.

Entretanto, o que confere o caráter público ao orçamento é o conhecimento ex ante dos projetos que foram aprovados pelas instâncias legislativas e suas respectivas justificativas técnicas, não bastando a divulgação ex post dos valores executados e do parlamentar beneficiado. Essa publicização prévia é o que permite que os órgãos de controle fiscalizem o orçamento.

O orçamento secreto foi consequência direta do engessamento das emendas individuais e coletivas que passaram a ter a sua execução impositiva nos governos Dilma e Bolsonaro, respectivamente. Sem essas moedas de troca que davam liquidez às relações Executivo-Legislativo, Bolsonaro se viu obrigado a encontrar uma outra forma de recompensar legisladores em troca de sobrevivência política.

A saída encontrada pelo ex presidente e lideranças do Centrão foi o orçamento secreto; ou seja, as emendas de relator (RP9), uma espécie de “emenda ônibus” que não é vinculada a projetos específicos de parlamentares. Em função da vulnerabilidade política de Bolsonaro, a execução de tais emendas foi delegada aos presidentes das casas legislativas.

Com a decisão do STF de considerar inconstitucionais as emendas de relator (RP9), o Congresso Nacional decidiu que metade do seu valor em 2023 (R$ 19,4 bilhões) será executada via emendas individuais e a outra metade sob a discricionariedade do executivo (RP2). Por meio da portaria interministerial 1/23, o poder de coordenar a execução desses recursos (cerca de R$ 9,8 bilhões), bem como as emendas de Comissão (R$ 7,6 bilhões) e as de bancadas estaduais (R$ 7,7 bilhões), foi concentrado nas mãos do ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais).

A recuperação da discricionariedade do Executivo na execução desses recursos é um avanço considerável uma vez que o presidencialismo multipartidário requer que o chefe do Executivo possua moedas de troca legais e institucionalizadas para governar. Só assim partidos teriam incentivo de fazer parte da coalizão de governo.

O problema desse desenho é que a sociedade continua a não saber ex ante nem o montante dos recursos nem onde serão executados. Ou seja, a opacidade que conferia às emendas de relator o caráter secreto do orçamento permanece no governo Lula contrariando sua promessa de campanha.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)

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