sexta-feira, 10 de março de 2023

Claudia Safatle - Governo quer ressuscitar estatal do “chip do boi”

Valor Econômico

Outra aposta em semicondutores também fracassou

Decreto assinado pelo presidente Lula e publicado no “Diário Oficial da União”, no dia 8 de fevereiro, criou um grupo de trabalho para estudar “a reversão do processo de desestatização e liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A (Ceitec)”. Com sede em Porto Alegre, a Ceitec foi criada em 2008, no segundo mandato de Lula, para ser uma fábrica de semicondutores que colocasse o país na rota do desenvolvimento tecnológico

Com orçamento dependente do Tesouro, que nesse período repassou para a empresa mais de R$ 900 milhões, a Ceitec ficou conhecida por ter produzido um chip de monitoramento de gado. Razão pela qual ganhou notoriedade como a “estatal do chip boi”.

O governo passado tentou privatizar a companhia, mas não encontrou interessados e, então, decidiu liquidá-la. O Tribunal de Contas da União (TCU), porém, em 2021 interrompeu o processo de fechamento da empresa, iniciado no ano anterior, por considerar o setor em que ela atua estratégico. O TCU, no entanto, não concluiu o julgamento do caso.

“É inconcebível que a gente desmonte aquilo que é a nata da inovação no mundo. Vamos definir claramente o papel e a missão da Ceitec para recompormos a política nacional de semicondutores, que é estratégica para a soberania nacional”, disse Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por ocasião da publicação do decreto nº 11.409. A criação do grupo de trabalho, segundo o ministério, marca o início do processo de atualização da política nacional de semicondutores.

Sob a coordenação do MCTI, ao qual é vinculada a Ceitec, o grupo de trabalho terá a participação de representantes da Casa Civil e dos ministérios da Fazenda, Gestão e Inovação e Desenvolvimento, Indústria Comércio e Serviços, além da Advocacia-Geral da União. O grupo terá 120 dias de prazo, prorrogável por tempo determinado, para apresentar os resultados dos estudos e projetos sobre a empresa.

Afinal, trata-se da única empresa, na América Latina, capaz de desenvolver um chip da concepção à sua aplicação final.

Uma segunda tentativa de incursão pelo mundo dos semicondutores ocorreu em 2012, quando foi anunciada a construção de uma fábrica em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG) que deveria estar pronta e em operação em três anos, conforme o cronograma da época.

Idealizada, em 2005 por Wolfgang Sauer, ex-presidente da Volkswagen do Brasil, que era um de seus acionistas. Eike Batista entrou como sócio, junto com o BNDES, e a vendeu para o grupo argentino Corporación América em 2014, logo depois do escândalo que o levou à falência. Foi daí que surgiu o nome Unitec para a empresa de chips de Minas Gerais, o mesmo da companhia da Corporación América na Argentina. Quando estava nas mãos de Eike, o seu nome era SIX.

Com investimento de mais de R$ 1,2 bilhão, os dois principais acionistas da Unitec, hoje, são o BNDES e a empresa argentina, cada um com 33% de participação. Como minoritários têm o BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais) e as empresas Intecs e Matec. Para o BNDES o negócio transformou-se em uma tremenda dor de cabeça, pois, além de acionista, ele financiou o empreendimento.

A situação piorou bastante quando, em 2019, a IBM, dona de 18,8% das ações da Unitec e provedora de tecnologia, vendeu sua operação global de semicondutores e abandonou o projeto daqui - o comprador não se interessou pela fábrica de Ribeirão das Neves. A empresa local está em recuperação judicial e acumula dívidas trabalhistas e tributárias de R$ 600 milhões.

Diante da crise que a pandemia produziu na indústria de chips, cuja escassez provocou paralisação da produção em várias fábricas no mundo, sobretudo de veículos, um grupo de empresários do setor automobilístico do Brasil foi a Tóquio no segundo semestre do ano passado para conversar com duas grandes empresas fabricantes de semicondutores e lhes oferecer a Unitec.

O uso das instalações já prontas da companhia de Minas Gerais anteciparia em dois anos o início da produção de chips - enquanto que construir uma fábrica demora cerca de quatro anos -, além de o Brasil ter um mercado de tamanho atrativo, argumentaram os brasileiros a seus interlocutores japoneses. Só a indústria doméstica de veículos deve demandar cerca de 4 bilhões de chips por ano. E o uso dos chips vai aumentar substancialmente com o uso do 5G, da internet das coisas e com a chegada dos carros elétricos. Os japoneses pediram mais informações e ficaram de continuar a conversa.

No mundo há 29 fábricas em construção, principalmente na Ásia. Se o Brasil não entrar nessa onda, vai ficar muito atrasado. O que não é aconselhável é se habilitar com projetos que representaram fracassos retumbantes.

 

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