segunda-feira, 6 de março de 2023

Demétrio Magnoli - Israel, inimigo de Israel

O Globo

Netanyahu pretende escapar de processos por corrupção chantageando o Judiciário

Desde 1967, Israel enfrenta um trilema. De três futuros, só pode ter dois. Não pode, simultaneamente, exercer soberania sobre toda a Terra Santa, conservar sua natureza de Estado judeu e preservar sua democracia. Para obter dois desses objetivos, precisa desistir de um deles. O avanço da reforma judicial patrocinada pelo governo Netanyahu reflete a decisão de renunciar à democracia. No fim dessa estrada está a virtual abolição do Estado de Israel, tal como fundado em 1948.

No sistema parlamentarista israelense, de câmara única, inexiste separação entre Executivo e Legislativo, pois o governo quase sempre tem maioria no Parlamento (Knesset). A separação de Poderes repousa sobre a Corte Suprema, contrapeso solitário ao governo de turno. Na ausência de Constituição, a Corte exerce a prerrogativa de derrubar atos da Knesset e do Executivo, sob o argumento de que violam as “leis básicas” — um conjunto de leis declaradas fundamentais pelos próprios juízes. A reforma de Netanyahu destina-se a subordinar a Corte Suprema ao Parlamento.

As proposições conferem à Knesset o poder de anular decisões da Corte Suprema por maioria simples. Em tese, o governo poderia impor leis discriminatórias, alterar o sistema eleitoral ou limitar a liberdade de imprensa. Hoje, um comitê de representantes políticos, juízes e advogados seleciona os integrantes da Corte. A reforma modifica a composição do comitê, oferecendo ao governo maioria absoluta. O Executivo passaria a configurar a Corte segundo a sua vontade.

Diversos interesses convergem na reforma. Partidos religiosos almejam sustentar privilégios sociais (como a isenção de serviço militar para certos grupos) e limitar as liberdades individuais. Netanyahu pretende escapar de processos por corrupção chantageando o Judiciário. O movimento de colonos quer expandir os assentamentos e anexar definitivamente áreas palestinas. Correntes que cultivam o supremacismo judaico sonham revogar a cidadania israelense da minoria árabe (20% da população de Israel).

O movimento sionista organizou-se em torno de correntes social-democratas de judeus asquenazitas. Israel nasceu com duas almas: Estado judeu, sua natureza histórica, e Estado laico e democrático, sua natureza jurídica. A tensão entre elas atingiu uma fase aguda depois da conquista de territórios palestinos (1967) e ingressou na atual etapa agônica com o fim da hegemonia política do Partido Trabalhista e a ascensão do Likud, nas últimas quatro décadas.

Fundado em 1973 como aliança de correntes de direita, o partido de Netanyahu tem sua base eleitoral entre os judeus sefarditas, majoritários entre as classes populares de Israel. A crescente fragmentação partidária do país, fruto das ondas recentes de imigração, abriu caminho para a atual coalizão de governo: um condomínio liderado pelo Likud que reúne os diversos grupos interessados na reforma judicial. Nesse passo, a maioria da Knesset prepara-se para implodir o Estado laico e democrático.

Críticos israelenses da reforma enfatizam, com razão, o espectro da adoção de leis voltadas contra os direitos das mulheres e dos gays. Israel como Estado teocrático — eis uma hipótese cada vez menos irreal. Mas inúmeros desses críticos passam ao largo da ameaça de supressão do princípio da igualdade jurídica entre cidadãos israelenses e árabes. Israel seria convertido em Estado de apartheid, não como metáfora, mas de fato.

O Estado judeu emergiu com extenso apoio internacional, no rastro da exposição dos campos de extermínio do nazismo. Mas a solidariedade externa só resistiu à prolongada ocupação dos territórios palestinos graças à natureza democrática de Israel — e, não por acaso, Biden advertiu das implicações da reforma judicial.

Um pacto entre correntes de esquerda “anti-imperialista” e antissemita expresso no movimento BDS (boicote, desinvestimento e sanções) qualifica Israel como Estado de apartheid, a fim de traçar um sinal de equivalência com o regime de minoria branca na África do Sul. Netanyahu e os extremistas que o acompanham parecem querer confirmar o diagnóstico do BDS.

 

3 comentários:

  1. Anônimo6/3/23 08:52

    O holocausto, o mkt do holocausto, o uso do holocausto como bandeira, nada disso serviu ou conseguiu esconder essa leva de ovos da serpente prestes a eclodir

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