O Globo
Netanyahu pretende escapar de processos por
corrupção chantageando o Judiciário
Desde 1967, Israel enfrenta
um trilema. De três futuros, só pode ter dois. Não pode, simultaneamente,
exercer soberania sobre toda a Terra Santa, conservar sua natureza de Estado
judeu e preservar sua democracia. Para obter dois desses objetivos, precisa
desistir de um deles. O avanço da reforma judicial patrocinada pelo governo
Netanyahu reflete a decisão de renunciar à democracia. No fim dessa estrada
está a virtual abolição do Estado de Israel, tal como fundado em 1948.
No sistema parlamentarista israelense, de câmara única, inexiste separação entre Executivo e Legislativo, pois o governo quase sempre tem maioria no Parlamento (Knesset). A separação de Poderes repousa sobre a Corte Suprema, contrapeso solitário ao governo de turno. Na ausência de Constituição, a Corte exerce a prerrogativa de derrubar atos da Knesset e do Executivo, sob o argumento de que violam as “leis básicas” — um conjunto de leis declaradas fundamentais pelos próprios juízes. A reforma de Netanyahu destina-se a subordinar a Corte Suprema ao Parlamento.
As proposições conferem à Knesset o poder
de anular decisões da Corte Suprema por maioria simples. Em tese, o governo
poderia impor leis discriminatórias, alterar o sistema eleitoral ou limitar a
liberdade de imprensa. Hoje, um comitê de representantes políticos, juízes e
advogados seleciona os integrantes da Corte. A reforma modifica a composição do
comitê, oferecendo ao governo maioria absoluta. O Executivo passaria a
configurar a Corte segundo a sua vontade.
Diversos interesses convergem na reforma.
Partidos religiosos almejam sustentar privilégios sociais (como a isenção de
serviço militar para certos grupos) e limitar as liberdades individuais.
Netanyahu pretende escapar de processos por corrupção chantageando o
Judiciário. O movimento de colonos quer expandir os assentamentos e anexar
definitivamente áreas palestinas. Correntes que cultivam o supremacismo judaico
sonham revogar a cidadania israelense da minoria árabe (20% da população de
Israel).
O movimento sionista organizou-se em torno
de correntes social-democratas de judeus asquenazitas. Israel nasceu com duas
almas: Estado judeu, sua natureza histórica, e Estado laico e democrático, sua
natureza jurídica. A tensão entre elas atingiu uma fase aguda depois da
conquista de territórios palestinos (1967) e ingressou na atual etapa agônica
com o fim da hegemonia política do Partido Trabalhista e a ascensão do Likud,
nas últimas quatro décadas.
Fundado em 1973 como aliança de correntes
de direita, o partido de Netanyahu tem sua base eleitoral entre os judeus
sefarditas, majoritários entre as classes populares de Israel. A crescente
fragmentação partidária do país, fruto das ondas recentes de imigração, abriu
caminho para a atual coalizão de governo: um condomínio liderado pelo Likud que
reúne os diversos grupos interessados na reforma judicial. Nesse passo, a
maioria da Knesset prepara-se para implodir o Estado laico e democrático.
Críticos israelenses da reforma enfatizam,
com razão, o espectro da adoção de leis voltadas contra os direitos das
mulheres e dos gays. Israel como Estado teocrático — eis uma hipótese cada vez
menos irreal. Mas inúmeros desses críticos passam ao largo da ameaça de
supressão do princípio da igualdade jurídica entre cidadãos israelenses e
árabes. Israel seria convertido em Estado de apartheid, não como metáfora, mas
de fato.
O Estado judeu emergiu com extenso apoio
internacional, no rastro da exposição dos campos de extermínio do nazismo. Mas
a solidariedade externa só resistiu à prolongada ocupação dos territórios palestinos
graças à natureza democrática de Israel — e, não por acaso, Biden advertiu das
implicações da reforma judicial.
Um pacto entre correntes de esquerda
“anti-imperialista” e antissemita expresso no movimento BDS (boicote,
desinvestimento e sanções) qualifica Israel como Estado de apartheid, a fim de
traçar um sinal de equivalência com o regime de minoria branca na África do
Sul. Netanyahu e os extremistas que o acompanham parecem querer confirmar o
diagnóstico do BDS.
O holocausto, o mkt do holocausto, o uso do holocausto como bandeira, nada disso serviu ou conseguiu esconder essa leva de ovos da serpente prestes a eclodir
ResponderExcluirPerfeito.
ResponderExcluir''Desinvestimento''.
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