quarta-feira, 22 de março de 2023

Fernando Exman - Governo vacila com o calendário legislativo

Valor Econômico

Maio será mês delicado para MPs, reforma e marco fiscal

No museu de grandes novidades que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou os primeiros cem dias de seu terceiro mandato, interlocutores do Palácio do Planalto no Congresso ainda tentam entender o que o governo quer, com quem devem falar e em que direção devem marchar. Existe a percepção generalizada de que intrigas internas vão atrasando a agenda legislativa do Executivo, enquanto Lula gasta tempo e energia dando nova embalagem a programas lançados pelas gestões anteriores do PT. Em outras palavras, foca na reconstrução de sua imagem pessoal, sem necessariamente sinalizar um rumo para o país.

Mas o tempo não para. E essas lideranças ponderam: o Palácio do Planalto deveria ter intermediado um desenlace para o impasse a respeito da tramitação das medidas provisórias. Ora, se uma MP é um ato legislativo pessoal do presidente da República que precisa depois do crivo do Congresso, essa disputa também é, de acordo com este ponto de vista, um problema do chefe do Poder Executivo.

O desacordo, do qual agora o governo torna-se refém, reduz a margem de manobra para a aprovação das primeiras MPs editadas pela nova administração dentro do prazo de até 120 dias estipulado pela Constituição. E em paralelo, o governo precisará dar atenção à reforma tributária, ao novo marco fiscal e à aprovação das diretrizes orçamentárias do ano que vem. Maio será crucial.

Lula relativiza a situação. Em entrevista nessa terça-feira (21), o presidente disse ter certeza que reunirá maioria no Legislativo. Talvez não a ponto de levar adiante uma reforma tributária completa, com começo, meio e fim, assim como planejara a equipe econômica. Porém, ainda assim os votos necessários para aprovar novas regras fiscais e uma medida tributária que faça a economia voltar a crescer.

“Minha base de sustentação no momento são 513 deputados e 81 senadores. Na hora que começar a votar é que vou saber quantos votos eu vou ter”, comentou Lula à “TV 247”, esquecendo-se de dizer que um número considerável desses parlamentares queria, na verdade, instalar uma CPI voltada apenas a fustigar o governo federal. E estes farão tudo para travar as propostas de interesse do governo.

O prognóstico é preocupante para quem contava com a execução de todo um plano para, além de simplificar o sistema tributário, aumentar a base de arrecadação da tributação sobre o consumo e ainda modificar os impostos sobre renda, lucros e dividendos. Ou seja, aumentar a receita que entrará nos cofres públicos, em meio à discussão de um novo arcabouço fiscal mais permissivo do que o combalido teto de gastos.

A primeira etapa da reforma, aliás, precisaria ser aprovada na Câmara ainda no primeiro semestre, para que tenha tempo suficiente de ser debatida no Senado antes de a campanha municipal contaminar de vez sua tramitação. O relatório de atividades do grupo de trabalho da Câmara deve ser apresentado no dia 16 de maio pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que tende a levar mais 15 dias para finalizar o texto a ser apresentado em plenário.

Até lá, precisará ficar claro se o governo apoiará uma possível sugestão de inclusão do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na reforma, como será tratada a Zona Franca de Manaus, qual o tamanho do fundo de desenvolvimento regional que atrairá os votos dos parlamentares nordestinos, se os combustíveis fósseis serão taxados de forma diferenciada (como hoje existe uma possibilidade de ser feito pela Câmara), se a isenção da cesta básica será mesmo uma ideia deixada para trás ou se a proposta de “cash back” defendida no Ministério da Fazenda terá adesão na Câmara, o que hoje parece difícil de ocorrer.

No Congresso, ainda há dúvidas se o governo terá capacidade de acelerar a transição da reforma ou precisará mesmo adotar alíquotas experimentais, diante da falta de informações sobre as simulações feitas pela Receita Federal. Não está claro, também, o destino de um arcabouço fiscal que até agora não conseguiu adesão nem do governo como um todo.

Quanto ao arcabouço fiscal, espera-se, sim, um modelo com flexibilidades. Mas não com a capacidade de recuperar, de imediato, a capacidade do Estado de investir. Provavelmente por isso, argumenta-se entre aliados, já se viu cobranças de alas do governo para que a equipe econômica acelere a formulação de novas regras de promoção de investimentos por meio de parcerias público-privadas (PPPs).

Por esse mesmo motivo se aponta o esforço empreendido para a aprovação da PEC da Transição como um erro tático primordial, uma vez que a proposta de emenda constitucional resolveu os problemas do governo anterior e de parlamentares que não se reelegeram, facilitou o desfecho das negociações para as eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado e, ainda assim, não supriu as necessidades de investimentos públicos deste primeiro ano de mandato.

Lula gastou capital político na aprovação da PEC, antes mesmo de tomar posse. Distribuiu cargos para partidos que hoje não juram lealdade ao governo e contam com emendas parlamentares ao Orçamento impositivas, cuja gestão na boca do caixa poderá gerar atritos no decorrer da legislatura.

Líderes partidários lembram que o Congresso avançou sobre o Orçamento e controlou a pauta quando o ex-presidente Jair Bolsonaro, ainda em início de mandato, negou a política. Sob Michel Temer, o ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha, morto na semana passada, tinha em suas planilhas perfis de votação, indicações para cargos, ligações econômicas, interesses políticos e adversários de cada parlamentar. A ex-presidente Dilma Rousseff é lembrada como cumpridora de acordos em seu primeiro mandato e ninguém duvida da capacidade de diálogo de Lula, embora ele esteja bem longe de ter 513 deputados e 81 senadores aliados.

Sua sorte é ver do outro lado, pelo menos por enquanto, uma oposição também desorganizada ou parlamentares mais preocupados com as redes sociais do que com os embates que surgirão no Congresso. Mas o tempo não para.

 

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