Valor Econômico
Maio será mês delicado para MPs, reforma e
marco fiscal
No museu de grandes novidades que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou os primeiros cem dias de seu
terceiro mandato, interlocutores do Palácio do Planalto no Congresso ainda
tentam entender o que o governo quer, com quem devem falar e em que direção
devem marchar. Existe a percepção generalizada de que intrigas internas vão
atrasando a agenda legislativa do Executivo, enquanto Lula gasta tempo e
energia dando nova embalagem a programas lançados pelas gestões anteriores do
PT. Em outras palavras, foca na reconstrução de sua imagem pessoal, sem
necessariamente sinalizar um rumo para o país.
Mas o tempo não para. E essas lideranças
ponderam: o Palácio do Planalto deveria ter intermediado um desenlace para o
impasse a respeito da tramitação das medidas provisórias. Ora, se uma MP é um
ato legislativo pessoal do presidente da República que precisa depois do crivo
do Congresso, essa disputa também é, de acordo com este ponto de vista, um
problema do chefe do Poder Executivo.
O desacordo, do qual agora o governo torna-se refém, reduz a margem de manobra para a aprovação das primeiras MPs editadas pela nova administração dentro do prazo de até 120 dias estipulado pela Constituição. E em paralelo, o governo precisará dar atenção à reforma tributária, ao novo marco fiscal e à aprovação das diretrizes orçamentárias do ano que vem. Maio será crucial.
Lula relativiza a situação. Em entrevista
nessa terça-feira (21), o presidente disse ter certeza que reunirá maioria no
Legislativo. Talvez não a ponto de levar adiante uma reforma tributária
completa, com começo, meio e fim, assim como planejara a equipe econômica.
Porém, ainda assim os votos necessários para aprovar novas regras fiscais e uma
medida tributária que faça a economia voltar a crescer.
“Minha base de sustentação no momento são
513 deputados e 81 senadores. Na hora que começar a votar é que vou saber
quantos votos eu vou ter”, comentou Lula à “TV 247”, esquecendo-se de dizer que
um número considerável desses parlamentares queria, na verdade, instalar uma
CPI voltada apenas a fustigar o governo federal. E estes farão tudo para travar
as propostas de interesse do governo.
O prognóstico é preocupante para quem
contava com a execução de todo um plano para, além de simplificar o sistema
tributário, aumentar a base de arrecadação da tributação sobre o consumo e
ainda modificar os impostos sobre renda, lucros e dividendos. Ou seja, aumentar
a receita que entrará nos cofres públicos, em meio à discussão de um novo
arcabouço fiscal mais permissivo do que o combalido teto de gastos.
A primeira etapa da reforma, aliás,
precisaria ser aprovada na Câmara ainda no primeiro semestre, para que tenha
tempo suficiente de ser debatida no Senado antes de a campanha municipal
contaminar de vez sua tramitação. O relatório de atividades do grupo de
trabalho da Câmara deve ser apresentado no dia 16 de maio pelo deputado
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que tende a levar mais 15 dias para finalizar o
texto a ser apresentado em plenário.
Até lá, precisará ficar claro se o governo
apoiará uma possível sugestão de inclusão do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) na reforma, como será tratada a Zona Franca de Manaus, qual o
tamanho do fundo de desenvolvimento regional que atrairá os votos dos
parlamentares nordestinos, se os combustíveis fósseis serão taxados de forma
diferenciada (como hoje existe uma possibilidade de ser feito pela Câmara), se
a isenção da cesta básica será mesmo uma ideia deixada para trás ou se a
proposta de “cash back” defendida no Ministério da Fazenda terá adesão na
Câmara, o que hoje parece difícil de ocorrer.
No Congresso, ainda há dúvidas se o governo
terá capacidade de acelerar a transição da reforma ou precisará mesmo adotar
alíquotas experimentais, diante da falta de informações sobre as simulações
feitas pela Receita Federal. Não está claro, também, o destino de um arcabouço
fiscal que até agora não conseguiu adesão nem do governo como um todo.
Quanto ao arcabouço fiscal, espera-se, sim,
um modelo com flexibilidades. Mas não com a capacidade de recuperar, de
imediato, a capacidade do Estado de investir. Provavelmente por isso,
argumenta-se entre aliados, já se viu cobranças de alas do governo para que a
equipe econômica acelere a formulação de novas regras de promoção de
investimentos por meio de parcerias público-privadas (PPPs).
Por esse mesmo motivo se aponta o esforço
empreendido para a aprovação da PEC da Transição como um erro tático
primordial, uma vez que a proposta de emenda constitucional resolveu os
problemas do governo anterior e de parlamentares que não se reelegeram, facilitou
o desfecho das negociações para as eleições das mesas diretoras da Câmara e do
Senado e, ainda assim, não supriu as necessidades de investimentos públicos
deste primeiro ano de mandato.
Lula gastou capital político na aprovação
da PEC, antes mesmo de tomar posse. Distribuiu cargos para partidos que hoje
não juram lealdade ao governo e contam com emendas parlamentares ao Orçamento
impositivas, cuja gestão na boca do caixa poderá gerar atritos no decorrer da
legislatura.
Líderes partidários lembram que o Congresso
avançou sobre o Orçamento e controlou a pauta quando o ex-presidente Jair
Bolsonaro, ainda em início de mandato, negou a política. Sob Michel Temer, o
ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha, morto na semana passada, tinha em
suas planilhas perfis de votação, indicações para cargos, ligações econômicas,
interesses políticos e adversários de cada parlamentar. A ex-presidente Dilma
Rousseff é lembrada como cumpridora de acordos em seu primeiro mandato e
ninguém duvida da capacidade de diálogo de Lula, embora ele esteja bem longe de
ter 513 deputados e 81 senadores aliados.
Sua sorte é ver do outro lado, pelo menos
por enquanto, uma oposição também desorganizada ou parlamentares mais
preocupados com as redes sociais do que com os embates que surgirão no
Congresso. Mas o tempo não para.
Já dizia Cazuza.
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