sexta-feira, 17 de março de 2023

Vera Magalhães - Marco fiscal já nasce refém

O Globo

Projeto entrou na roda da chantagem de Arthur Lira para manter sob seu poder a tramitação das medidas provisórias

De pouco parece ter adiantado o cuidado de Fernando Haddad ao costurar o fechamento da equipe econômica em torno do seu projeto de novo marco fiscal, tampouco a preocupação com que a proposta não vazasse antes de apresentada e referendada por Lula. O presidente tanto demorou para receber o ministro da Fazenda e dar atenção ao projeto mais importante da largada de seu governo que a proposta nem chegou ao Congresso e já sofre pressões de várias origens.

Além disso, não parece que haja mais tempo hábil para que a nova âncora fiscal seja analisada e digerida pelo Comitê de Política Monetária de modo a ter influência concreta na indicação de breve mudança na trajetória dos juros básicos da economia, uma vez que a reunião acontece nas próximas terça e quarta-feira.

A culpa de nada disso é de Haddad ou da área econômica, e sim, de novo, do presidente e de seu entorno político. Se Lula tem pressa em ver os juros caírem, pois isso seria crucial para a economia ganhar tração e sua popularidade subir, deveria priorizar a análise da proposta da Fazenda a qualquer outro compromisso. No entanto o que se viu nesta semana foi o presidente para cima e para baixo em agendas de menor relevância.

Mais: Haddad foi submetido a uma espécie de chá de cadeira na antessala presidencial, com incerteza quanto ao dia em que seria recebido pelo chefe. A estranhíssima demora de Lula em arbitrar algo para que parecia ter pressa de anteontem abre margem à interpretação de que o presidente gostaria que a proposta vazasse e fosse questionada pelos setores que sempre se opõem a Haddad, notadamente o PT e seu bunker econômico montado no BNDES.

Se por enquanto isso não ocorreu, precipitou-se algo igualmente deletério: o marco fiscal entrou na roda da chantagem de Arthur Lira para manter sob seu jugo a tramitação das medidas provisórias, em completo desrespeito ao que diz a Constituição. Lira, que fareja quando há sangue na água, não se fez de rogado: logo depois de procurado por Haddad para uma conversa prévia ao envio do Projeto de Lei Complementar, ventilou a ideia de dar sua relatoria ao próprio partido, o PP, que, até segunda ordem, está na oposição a Lula, como noticiou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.

O que Lira quer é óbvio: ter o governo como aliado em sua cruzada para manter o poder sobre o trâmite das MPs, tendo a proposta da nova âncora fiscal como refém. Se quiser levar o intento adiante, conseguirá. Talvez não precise, uma vez que o governo sabe que não tem maioria na Câmara e está disposto a, de bom grado, contribuir para o objetivo de Lira, aceitando a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição completamente casuísta para alterar o rito das MPs.

É altamente temerário para um governo com menos de cem dias de vida demonstrar tanta dependência de um político com o apetite insaciável de Arthur Lira. Da mesma maneira, é um erro tomar o partido dele contra Rodrigo Pacheco, um aliado mais previsível e menos faminto, que tem segurado a onda da extrema direita antes mesmo da eleição de Lula, diga-se.

São equívocos que se somam a outro, anterior: esse de manter o ministro da Fazenda num cercadinho, rodeado de praticantes de fogo amigo, no momento em que se espera que o Banco Central tenha sensibilidade e comece a baixar os juros.

É até possível que a nova conjuntura internacional, com sinais de instabilidade no sistema bancário global e uma esperada guinada das autoridades monetárias dos Estados Unidos e da Europa por isso, precipite uma mudança de rota também por aqui. Mas seria bem melhor para a própria imagem do governo perante os formadores de preço que isso se desse como sinal de confiança na equipe econômica, como Haddad vinha pacientemente construindo, embora constantemente sabotado pelos que deveriam chancelá-lo.

 

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