O Globo
São os países com menor amadurecimento institucional
que mais se beneficiam da adoção de regras monetárias
Os ataques à política monetária não cessam.
É inevitável a leitura de que o governo busca isolar o Banco Central na opinião
pública, algo que dificulta o amadurecimento da sociedade quanto à importância
da missão do BC de manter a inflação baixa, bem como o reconhecimento da
qualidade técnica de seu trabalho.
O governo busca visões externas para
legitimar sua crítica, mas de forma viesada, recorrendo apenas àqueles que
referendam sua defesa de corte dos juros. Foi o caso da participação do Nobel
em Economia, Joseph Stiglitz, em seminário no BNDES.
O economista é referência essencial na Teoria de Assimetria da Informação, que estuda o impacto nos mercados de alguns agentes terem informações relevantes que interessam aos demais. As consequências desse problema para o funcionamento do mercado financeiro são temas cruciais para reguladores, para proteger usuários pouco informados e mitigar riscos no sistema.
Stiglitz não é, porém, uma referência
acadêmica em temas de política monetária convencional, mas costuma discutir as
consequências do impacto assimétrico dos juros altos sobre os segmentos
sociais. Sua preocupação principal é com o aumento desigual do desemprego.
É possível reduzir eventuais efeitos
distributivos indesejados da alta dos juros, por meio de bons desenhos de
políticas públicas, de modo a proteger os vulneráveis e suavizar a perda de
renda dos trabalhadores. Quanto aos bancos centrais, a maior contribuição é
justamente executar bem a tarefa de combater a inflação.
No caso brasileiro, a crítica se encaixa
ainda menos. Quando a inflação sobe, ela prejudica particularmente as classes
populares, o que não é resolvido pela correção do salário-mínimo. Isso sem
contar a elevada informalidade no mercado de trabalho.
Outro ponto levantado por Stiglitz é que
haveria efeitos assimétricos da política monetária, com a alta dos juros afetando
mais a economia do que o contrário. Não há, porém, evidências empíricas nessa
direção. No Brasil, o que temos é um país com baixo potencial de crescimento e
que fica muito vulnerável a choques, inclusive relativos a erros de política
econômica.
A grande recessão entre meados de 2014-16
foi exemplo dramático das consequências de estimular artificialmente a
economia, inclusive por meio de juros reais artificialmente baixos (2012-13),
que exigiram correção posterior.
Stiglitz defende que bancos centrais não
podem seguir de forma rígida o regime de metas de inflação, sob pena de
produzir mais instabilidade macroeconômica. A preocupação dele é maior com os
países não-avançados, principalmente quando sofrem choques de oferta adversos,
como a inflação “importada”, comumente fruto da alta de preços de commodities
no mercado internacional.
No entanto, são justamente países com menor
amadurecimento institucional que mais se beneficiam da adoção de regras
monetárias, em contraposição ao poder discricionário do banco central. O Brasil
é importante exemplo do ganho proporcionado pelo regime de metas.
Adotar alguma flexibilidade no regime de
metas e fazer uso cuidadoso da política monetária são recomendações usuais na
literatura. Talvez Stiglitz desconheça o processo de gestão do nosso BC. E sua
crítica não é uma carapuça que o atual BC deveria vestir.
Em meio aos muitos choques, a inflação
ficou acima do limite superior da meta em 2021 e 2022, e a taxa de desemprego
está em torno das mínimas históricas.
Além disso, sendo o Brasil um exportador
líquido de commodities, a alta desses preços produz um aumento na renda do país
– em 2021, o PIB nominal da agropecuária aumentou 53% e da indústria extrativa,
115%. Dessa forma, nem toda inflação importada é choque de oferta adverso; pode
ser choque benigno de demanda, recomendando a ação do BC.
A surpresa do Nobel com a Selic elevada
deveria ser menor tendo em vista a dívida pública brasileira muito superior à
observada em países emergentes e a taxa de poupança mais baixa, fatores que
limitam o espaço para juros estruturalmente baixos.
Ele também desconsidera o momento atual do
país, com uma mudança de regime fiscal na direção de mais gastos.
Como qualquer ação estatal, a política
monetária pode causar distorções. Desviar o uso desse instrumento, porém, sai
mais caro. A questão é como permitir que o aperto monetário seja temporário e
efetivo. Aguardemos a nova regra fiscal.
Aguardemos.
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