quarta-feira, 29 de março de 2023

Zeina Latif - A César o que é de César

O Globo

São os países com menor amadurecimento institucional que mais se beneficiam da adoção de regras monetárias

Os ataques à política monetária não cessam. É inevitável a leitura de que o governo busca isolar o Banco Central na opinião pública, algo que dificulta o amadurecimento da sociedade quanto à importância da missão do BC de manter a inflação baixa, bem como o reconhecimento da qualidade técnica de seu trabalho.

O governo busca visões externas para legitimar sua crítica, mas de forma viesada, recorrendo apenas àqueles que referendam sua defesa de corte dos juros. Foi o caso da participação do Nobel em Economia, Joseph Stiglitz, em seminário no BNDES.

O economista é referência essencial na Teoria de Assimetria da Informação, que estuda o impacto nos mercados de alguns agentes terem informações relevantes que interessam aos demais. As consequências desse problema para o funcionamento do mercado financeiro são temas cruciais para reguladores, para proteger usuários pouco informados e mitigar riscos no sistema.

Stiglitz não é, porém, uma referência acadêmica em temas de política monetária convencional, mas costuma discutir as consequências do impacto assimétrico dos juros altos sobre os segmentos sociais. Sua preocupação principal é com o aumento desigual do desemprego.

É possível reduzir eventuais efeitos distributivos indesejados da alta dos juros, por meio de bons desenhos de políticas públicas, de modo a proteger os vulneráveis e suavizar a perda de renda dos trabalhadores. Quanto aos bancos centrais, a maior contribuição é justamente executar bem a tarefa de combater a inflação.

No caso brasileiro, a crítica se encaixa ainda menos. Quando a inflação sobe, ela prejudica particularmente as classes populares, o que não é resolvido pela correção do salário-mínimo. Isso sem contar a elevada informalidade no mercado de trabalho.

Outro ponto levantado por Stiglitz é que haveria efeitos assimétricos da política monetária, com a alta dos juros afetando mais a economia do que o contrário. Não há, porém, evidências empíricas nessa direção. No Brasil, o que temos é um país com baixo potencial de crescimento e que fica muito vulnerável a choques, inclusive relativos a erros de política econômica.

A grande recessão entre meados de 2014-16 foi exemplo dramático das consequências de estimular artificialmente a economia, inclusive por meio de juros reais artificialmente baixos (2012-13), que exigiram correção posterior.

Stiglitz defende que bancos centrais não podem seguir de forma rígida o regime de metas de inflação, sob pena de produzir mais instabilidade macroeconômica. A preocupação dele é maior com os países não-avançados, principalmente quando sofrem choques de oferta adversos, como a inflação “importada”, comumente fruto da alta de preços de commodities no mercado internacional.

No entanto, são justamente países com menor amadurecimento institucional que mais se beneficiam da adoção de regras monetárias, em contraposição ao poder discricionário do banco central. O Brasil é importante exemplo do ganho proporcionado pelo regime de metas.

Adotar alguma flexibilidade no regime de metas e fazer uso cuidadoso da política monetária são recomendações usuais na literatura. Talvez Stiglitz desconheça o processo de gestão do nosso BC. E sua crítica não é uma carapuça que o atual BC deveria vestir.

Em meio aos muitos choques, a inflação ficou acima do limite superior da meta em 2021 e 2022, e a taxa de desemprego está em torno das mínimas históricas.

Além disso, sendo o Brasil um exportador líquido de commodities, a alta desses preços produz um aumento na renda do país – em 2021, o PIB nominal da agropecuária aumentou 53% e da indústria extrativa, 115%. Dessa forma, nem toda inflação importada é choque de oferta adverso; pode ser choque benigno de demanda, recomendando a ação do BC.

A surpresa do Nobel com a Selic elevada deveria ser menor tendo em vista a dívida pública brasileira muito superior à observada em países emergentes e a taxa de poupança mais baixa, fatores que limitam o espaço para juros estruturalmente baixos.

Ele também desconsidera o momento atual do país, com uma mudança de regime fiscal na direção de mais gastos.

Como qualquer ação estatal, a política monetária pode causar distorções. Desviar o uso desse instrumento, porém, sai mais caro. A questão é como permitir que o aperto monetário seja temporário e efetivo. Aguardemos a nova regra fiscal.

 

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