segunda-feira, 24 de abril de 2023

Alex Ribeiro - Por que o juro alto não baixou mais a inflação?

Valor Econômico

Impulso fiscal e juro neutro atrapalham o trabalho do Banco Central

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu na semana passada, em um evento em Londres, o que já estava implícito na comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom): a queda da inflação está mais lenta do que o esperado, dados os altos níveis dos juros reais.

Do ponto de vista prático, ele deu uma sinalização importante: como a inflação não está caindo da forma prevista, não é possível antecipar quando o Copom poderá começar a cortar a taxa básica de juros. Isso significa que o mercado financeiro, que vinha precificando chances cada vez maiores de uma baixa prematura da Selic, deveria moderar as suas apostas.

Mas fica a pergunta: por que a Selic nos atuais 13,75% ao ano, tão combatida pelo governo, não está surtindo o efeito esperado para baixar a inflação? Os juros reais estão acima de 7% ao ano desde o segundo trimestre de 2022. Apesar disso, a média dos núcleos de inflação favoritos do BC, que excluem preços mais voláteis, segue em 7,8%, no acumulado em 12 meses. A inflação dos serviços mais afetados pelo ciclo econômico também está em 7,8%.

São muitas as hipóteses para explicar esse descompasso entre os juros muito altos e a inflação salgada, como o excesso de estímulos fiscais feitos pelo governo Bolsonaro ou a alta dos juros neutros. Pode ser, também, que apenas está levando um pouco mais de tempo para o juro fazer efeito.

Um especialista em política monetária ouvido pelo Valor diz que, possivelmente, o aperto monetário não está se transmitindo da forma esperada pelo canal da atividade econômica. Quando o Copom sobe a taxa Selic, os juros reais da economia também aumentam, afetando decisões de investimento das empresas e de consumo das famílias. Com isso, a demanda esfria, e a inflação cai.

A atividade econômica, porém, está se retraindo menos do que o esperado, em particular o mercado de trabalho. No último Relatório de Inflação, o BC reviu as suas estimativas para o grau de ociosidade da economia, uma potente força desinflacionária. Em fins do ano passado, foi menor do que o esperado.

Nos dois primeiros meses do ano, a criação de empregos formais ficou em 320 mil, quase 100 mil postos acima do esperado no consenso dos especialistas. A taxa de desemprego não vem subindo, até agora, da forma esperada, e os reajustes de salários estão mais fortes do que o Banco Central antecipava.

O Valor ouviu vários especialistas para tentar entender por que, mesmo diante dos juros muito altos, a economia não se desacelerou da forma esperada. Ninguém tem uma resposta definitiva, mas vários desses economistas dizem que a política fiscal e a taxa neutra de juros podem explicar o fenômeno.

No ano passado, o presidente Bolsonaro pisou no acelerador nas políticas fiscal e creditícia, cortando impostos sobre combustíveis, aumentando as transferências de renda no Bolsa Família e liberando recursos com juros mais baixos para microempresários e para beneficiários de programas sociais. Tudo isso agiu na contramão da política monetária restritiva.

Outra hipótese é que a chamada taxa neutra de juros, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a inflação, seja de fato mais alta do que a estimada pelo Banco Central. Quando começou o aperto monetário, em 2021, o Banco Central estimava que a taxa neutra estava em 3% ao ano. Os juros reais de 7%, portanto, seriam consideravelmente acima da taxa neutra. De lá para cá, porém, a estimativa do BC foi revista duas vezes, primeiro para 3,5% e depois para 4%. O mercado já trabalha com 5% ou mais. Ou seja, a diferença entre o juro real e a taxa neutra poderia ser bem menor do que se supunha. A alta dos juros neutros pode ter ocorrido devido ao aumento do risco fiscal no Brasil e também porque ela teria subido nas economias avançadas.

Outra explicação possível é que a credibilidade da política monetária está sendo questionada. Segundo essa teoria, o Banco Central subiu muito os juros, mas não vai perseverar para baixar a inflação. Isso faz com que o mercado precifique quedas de juros mais cedo e, ao mesmo tempo, uma inflação implícita alta. No fim das contas, o juro real não seria tão alto assim.

Um economista pondera que a defasagem da política monetária para a atividade econômica é longa e variável ao longo do tempo. Ou seja, pode ser apenas que não deu tempo de o aperto monetário fazer o efeito sobre a inflação.

O Banco Central tem procurado passar a mensagem de que todas essas oscilações são naturais no processo de desinflação. Segundo esse raciocínio, a redução da inflação passou por uma primeira etapa, com uma queda mais rápida, incluindo a desaceleração nas altas de preços de bens industriais e das tarifas, como gasolina. Agora, estaríamos na fase mais difícil e demorada, que envolve baixar a inflação de serviços. Campos Neto lembrou, na sua fala em Londres, que não é apenas o Brasil que, nessa segunda etapa, está vendo a inflação cair numa velocidade menor do que a desejada.

As suspeitas de que os juros não estão se transmitindo para a atividade da forma esperada não são, exatamente, novas. A maior parte do mercado esperava que, no segundo semestre de 2022, os juros pegassem mais forte na atividade e na inflação. O BC, na época, argumentou que o juro estava se transmitindo na economia, e que logo adiante apareceriam os primeiros efeitos - como, de fato, apareceram.

Essa queda da inflação mais lenta do que o esperado cria um problema para o BC. Campos Neto vem dando sinais de apoio à política fiscal e ao arcabouço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em Londres, reconheceu que as inflações implícitas caíram desde dezembro (embora estejam mais altas do que estavam em novembro) e que as expectativas de mercado podem seguir o mesmo caminho. Haddad, porém, quer mesmo a queda dos juros, que ajudaria a conter gastos financeiros. Provavelmente, não haverá espaço para flexibilizar enquanto não houver mais segurança de que o cenário desinflacionário está caminhando como o previsto.

 

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