Valor Econômico
Impulso fiscal e juro neutro atrapalham o
trabalho do Banco Central
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, admitiu na semana passada, em um evento em Londres, o que já
estava implícito na comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom): a
queda da inflação está mais lenta do que o esperado, dados os altos níveis dos
juros reais.
Do ponto de vista prático, ele deu uma
sinalização importante: como a inflação não está caindo da forma prevista, não
é possível antecipar quando o Copom poderá começar a cortar a taxa básica de
juros. Isso significa que o mercado financeiro, que vinha precificando chances
cada vez maiores de uma baixa prematura da Selic, deveria moderar as suas
apostas.
Mas fica a pergunta: por que a Selic nos atuais 13,75% ao ano, tão combatida pelo governo, não está surtindo o efeito esperado para baixar a inflação? Os juros reais estão acima de 7% ao ano desde o segundo trimestre de 2022. Apesar disso, a média dos núcleos de inflação favoritos do BC, que excluem preços mais voláteis, segue em 7,8%, no acumulado em 12 meses. A inflação dos serviços mais afetados pelo ciclo econômico também está em 7,8%.
São muitas as hipóteses para explicar esse
descompasso entre os juros muito altos e a inflação salgada, como o excesso de
estímulos fiscais feitos pelo governo Bolsonaro ou a alta dos juros neutros.
Pode ser, também, que apenas está levando um pouco mais de tempo para o juro
fazer efeito.
Um especialista em política monetária
ouvido pelo Valor diz que, possivelmente, o aperto monetário não está
se transmitindo da forma esperada pelo canal da atividade econômica. Quando o
Copom sobe a taxa Selic, os juros reais da economia também aumentam, afetando
decisões de investimento das empresas e de consumo das famílias. Com isso, a
demanda esfria, e a inflação cai.
A atividade econômica, porém, está se
retraindo menos do que o esperado, em particular o mercado de trabalho. No
último Relatório de Inflação, o BC reviu as suas estimativas para o grau de
ociosidade da economia, uma potente força desinflacionária. Em fins do ano
passado, foi menor do que o esperado.
Nos dois primeiros meses do ano, a criação
de empregos formais ficou em 320 mil, quase 100 mil postos acima do esperado no
consenso dos especialistas. A taxa de desemprego não vem subindo, até agora, da
forma esperada, e os reajustes de salários estão mais fortes do que o Banco
Central antecipava.
O Valor ouviu vários
especialistas para tentar entender por que, mesmo diante dos juros muito altos,
a economia não se desacelerou da forma esperada. Ninguém tem uma resposta
definitiva, mas vários desses economistas dizem que a política fiscal e a taxa
neutra de juros podem explicar o fenômeno.
No ano passado, o presidente Bolsonaro
pisou no acelerador nas políticas fiscal e creditícia, cortando impostos sobre
combustíveis, aumentando as transferências de renda no Bolsa Família e liberando
recursos com juros mais baixos para microempresários e para beneficiários de
programas sociais. Tudo isso agiu na contramão da política monetária
restritiva.
Outra hipótese é que a chamada taxa neutra
de juros, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a inflação, seja de
fato mais alta do que a estimada pelo Banco Central. Quando começou o aperto
monetário, em 2021, o Banco Central estimava que a taxa neutra estava em 3% ao
ano. Os juros reais de 7%, portanto, seriam consideravelmente acima da taxa
neutra. De lá para cá, porém, a estimativa do BC foi revista duas vezes,
primeiro para 3,5% e depois para 4%. O mercado já trabalha com 5% ou mais. Ou
seja, a diferença entre o juro real e a taxa neutra poderia ser bem menor do
que se supunha. A alta dos juros neutros pode ter ocorrido devido ao aumento do
risco fiscal no Brasil e também porque ela teria subido nas economias
avançadas.
Outra explicação possível é que a
credibilidade da política monetária está sendo questionada. Segundo essa
teoria, o Banco Central subiu muito os juros, mas não vai perseverar para
baixar a inflação. Isso faz com que o mercado precifique quedas de juros mais
cedo e, ao mesmo tempo, uma inflação implícita alta. No fim das contas, o juro
real não seria tão alto assim.
Um economista pondera que a defasagem da
política monetária para a atividade econômica é longa e variável ao longo do
tempo. Ou seja, pode ser apenas que não deu tempo de o aperto monetário fazer o
efeito sobre a inflação.
O Banco Central tem procurado passar a
mensagem de que todas essas oscilações são naturais no processo de desinflação.
Segundo esse raciocínio, a redução da inflação passou por uma primeira etapa,
com uma queda mais rápida, incluindo a desaceleração nas altas de preços de
bens industriais e das tarifas, como gasolina. Agora, estaríamos na fase mais
difícil e demorada, que envolve baixar a inflação de serviços. Campos Neto
lembrou, na sua fala em Londres, que não é apenas o Brasil que, nessa segunda
etapa, está vendo a inflação cair numa velocidade menor do que a desejada.
As suspeitas de que os juros não estão se
transmitindo para a atividade da forma esperada não são, exatamente, novas. A
maior parte do mercado esperava que, no segundo semestre de 2022, os juros
pegassem mais forte na atividade e na inflação. O BC, na época, argumentou que
o juro estava se transmitindo na economia, e que logo adiante apareceriam os
primeiros efeitos - como, de fato, apareceram.
Essa queda da inflação mais lenta do que o
esperado cria um problema para o BC. Campos Neto vem dando sinais de apoio à
política fiscal e ao arcabouço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Em Londres, reconheceu que as inflações implícitas caíram desde dezembro
(embora estejam mais altas do que estavam em novembro) e que as expectativas de
mercado podem seguir o mesmo caminho. Haddad, porém, quer mesmo a queda dos
juros, que ajudaria a conter gastos financeiros. Provavelmente, não haverá
espaço para flexibilizar enquanto não houver mais segurança de que o cenário
desinflacionário está caminhando como o previsto.
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