segunda-feira, 24 de abril de 2023

Bruno Carazza* - Quando o pânico legisla

Valor Econômico

Ataques nas escolas estimulam epidemia de projetos ruins

Os ataques à escola Thomazia Montoro, em São Paulo, e à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, ocorridos em apenas dez dias, geraram pânico entre crianças, adolescentes e pais. Tentados a dar uma resposta diante da boataria de que uma “epidemia de ataques” estaria sendo planejada, não demorou muito para nossos políticos demonstrarem mais uma vez seu despreparo para indicar soluções para problemas complexos.

A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) foi a mais rápida. Tenente do Exército e integrante da bancada da bala, a novata protocolou no mesmo dia em que um adolescente matou a facadas a professora Elisabeth Tenreiro o PL 1.446/2023, que torna obrigatória a instalação de portais de raios-x nas escolas públicas e privadas do país. Era só o começo.

Segundo levantamento que realizei na página da Câmara na internet, de 27/03 a 20/04 foram apresentados 565 projetos de lei ordinária. Desses, nada menos que 104 (18,4%) tratavam de violência em ambiente escolar, cada um apresentando um caminho diferente para se prevenir e coibir atentados contra nossas crianças e adolescentes.

Um grupo de parlamentares aposta no endurecimento da legislação criminal. São pelo menos 24 projetos voltados para criar novos tipos penais, aumentar as penas, introduzir agravantes e qualificantes e até mesmo classificar como crimes hediondos os atentados praticados em escolas. Esses parlamentares acreditam no poder da ameaça de punição como instrumento dissuasório, desconsiderando que as normas penais atuais já possuem os instrumentos para colocar assassinos atrás das grades, e mesmo assim temos uma das mais altas taxas de homicídios do mundo.

Outra leva de pelo menos 22 projetos apresentados depois dos ataques volta-se para a prevenção por meio de equipamentos de segurança. Deputados sugerem a implantação de portais de raios-x, câmeras de monitoramento, detectores de metal, eclusas, botões de pânico, equipamentos de atendimento pré-hospitalar e até cercas elétricas em cada estabelecimento de ensino público e privado do país. Os deputados bolsonaristas Caroline de Toni (PL-SC) e Gilvan da Federal (PL-ES) propuseram ainda conceder porte de armas a professores e funcionários das escolas públicas brasileiras.

Em nome da proteção de nossas crianças, essas medidas pretendem transformar as escolas em presídios de segurança máxima, sem qualquer reflexão sobre o dano psicológico que um ambiente hostil pode causar nos alunos. Ninguém também parece se preocupar com o custo de aquisição e manutenção desses equipamentos - ou pode ser que pensem sim, visto que há muitas empresas bastante interessadas na abertura de um novo mercado alimentado por recursos públicos, e alguns parlamentares agem como seus procuradores no Congresso Nacional.

Na mesma direção, há parlamentares recomendando a contratação de guardas municipais, agentes de segurança e vigilantes privados armados para proteger as escolas. Outros projetos procuram deslocar recursos do Fundeb, que deveriam ser aplicados na atividade-fim dos estabelecimentos de ensino, para as ações-meio de contenção de crimes. Mesmo as propostas na direção oposta, como aquelas que prescrevem a instituição de serviços de apoio psicológico nas escolas, também não realizam qualquer estimativa sobre quais unidades deveriam ser priorizadas e quanto isto representaria para os cofres públicos.

Há um grande contingente de PLs (32, segundo o meu levantamento) destinados a criar planos nacionais, programas, marcos regulatórios e outras iniciativas com o objetivo de mobilizar esforços municipais, estaduais e federais, unindo autoridades da educação e da segurança pública, para tratar o problema de maneira mais abrangente. Trata-se de uma forma mais inteligente de abordar uma questão tão complexa, embora o risco seja constituir fóruns de discussão que quase nunca apresentam medidas concretas que saiam do papel e façam diferença na vida das pessoas - o que acontece quase sempre aqui no Brasil, nos mais variados assuntos.

Como seria de se esperar quando se trata de matérias legislativas voltadas para a segurança pública, o protagonismo na reação aos ataques nas escolas coube aos parlamentares de direita. Dos 101 projetos identificados, 26 eram de autoria de deputados do PL, 21 do União Brasil e 10 partiram de filiados ao MDB. Pela esquerda, a liderança coube ao PDT (7 projetos), PSB (3) e PT (2).

Em meio a tantas proposições mal concebidas ou simplesmente ruins, algumas ideias merecem consideração. Partindo do pressuposto de que a maioria desses ataques brutais é movida por um desejo de repercussão na mídia e nas redes sociais, a deputada Nely Aquino (Podemos-MG), por meio do PL 1798/2023, defende a proibição da divulgação de imagens, vídeos ou outras informações dos autores de massacres, terrorismo ou de tiroteios violentos.

Já o PL 2011/2023, da deputada Lídice da Mata (PSB-BA), propõe a notificação e coleta de dados sobre “bullying” nas escolas, com o propósito de subsidiar a formulação de políticas públicas de prevenção e combate à violência em ambiente escolar.

Numa das últimas cenas da série “Todo Dia a Mesma Noite”, uma peça de ficção baseada no incêndio da Boate Kiss, um dos familiares, numa audiência perante um tribunal em Brasília, assume a palavra para dizer que aquela ação não representava apenas os 242 mortos, a maioria jovens, pela negligência dos empresários da casa de espetáculos e da banda.

Seu pedido por justiça também representava as vítimas no Bateau Mouche, nos “acidentes” (!?) de Mariana e de Brumadinho, no Ninho do Urubu e em tantas outra tragédias que permanecem impunes no Brasil.

Fatos de grande repercussão sempre estimulam políticos a apresentarem propostas, em geral ruins, para surfar na popularidade causada pela comoção nacional.

Se pretendem realmente combater e prevenir crimes como os ataques recentes, em vez de aumentar penas, instalar detectores de metal ou colocar seguranças privados nas escolas, talvez as autoridades dos três Poderes e níveis federativos deveriam começar por um pacto contra a impunidade. Mas é preciso que seja algo para valer, pois o Brasil não precisa de mais planos nacionais que não saem do papel.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

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