Valor Econômico
Ataques nas escolas estimulam epidemia de
projetos ruins
Os ataques à escola Thomazia Montoro, em
São Paulo, e à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, ocorridos em apenas dez
dias, geraram pânico entre crianças, adolescentes e pais. Tentados a dar uma
resposta diante da boataria de que uma “epidemia de ataques” estaria sendo
planejada, não demorou muito para nossos políticos demonstrarem mais uma vez
seu despreparo para indicar soluções para problemas complexos.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) foi a mais
rápida. Tenente do Exército e integrante da bancada da bala, a novata
protocolou no mesmo dia em que um adolescente matou a facadas a professora
Elisabeth Tenreiro o PL 1.446/2023, que torna obrigatória a instalação de
portais de raios-x nas escolas públicas e privadas do país. Era só o começo.
Segundo levantamento que realizei na página da Câmara na internet, de 27/03 a 20/04 foram apresentados 565 projetos de lei ordinária. Desses, nada menos que 104 (18,4%) tratavam de violência em ambiente escolar, cada um apresentando um caminho diferente para se prevenir e coibir atentados contra nossas crianças e adolescentes.
Um grupo de parlamentares aposta no
endurecimento da legislação criminal. São pelo menos 24 projetos voltados para
criar novos tipos penais, aumentar as penas, introduzir agravantes e
qualificantes e até mesmo classificar como crimes hediondos os atentados
praticados em escolas. Esses parlamentares acreditam no poder da ameaça de
punição como instrumento dissuasório, desconsiderando que as normas penais
atuais já possuem os instrumentos para colocar assassinos atrás das grades, e
mesmo assim temos uma das mais altas taxas de homicídios do mundo.
Outra leva de pelo menos 22 projetos
apresentados depois dos ataques volta-se para a prevenção por meio de
equipamentos de segurança. Deputados sugerem a implantação de portais de
raios-x, câmeras de monitoramento, detectores de metal, eclusas, botões de
pânico, equipamentos de atendimento pré-hospitalar e até cercas elétricas em
cada estabelecimento de ensino público e privado do país. Os deputados
bolsonaristas Caroline de Toni (PL-SC) e Gilvan da Federal (PL-ES) propuseram
ainda conceder porte de armas a professores e funcionários das escolas públicas
brasileiras.
Em nome da proteção de nossas crianças, essas
medidas pretendem transformar as escolas em presídios de segurança máxima, sem
qualquer reflexão sobre o dano psicológico que um ambiente hostil pode causar
nos alunos. Ninguém também parece se preocupar com o custo de aquisição e
manutenção desses equipamentos - ou pode ser que pensem sim, visto que há
muitas empresas bastante interessadas na abertura de um novo mercado alimentado
por recursos públicos, e alguns parlamentares agem como seus procuradores no
Congresso Nacional.
Na mesma direção, há parlamentares
recomendando a contratação de guardas municipais, agentes de segurança e
vigilantes privados armados para proteger as escolas. Outros projetos procuram
deslocar recursos do Fundeb, que deveriam ser aplicados na atividade-fim dos
estabelecimentos de ensino, para as ações-meio de contenção de crimes. Mesmo as
propostas na direção oposta, como aquelas que prescrevem a instituição de
serviços de apoio psicológico nas escolas, também não realizam qualquer
estimativa sobre quais unidades deveriam ser priorizadas e quanto isto
representaria para os cofres públicos.
Há um grande contingente de PLs (32,
segundo o meu levantamento) destinados a criar planos nacionais, programas,
marcos regulatórios e outras iniciativas com o objetivo de mobilizar esforços
municipais, estaduais e federais, unindo autoridades da educação e da segurança
pública, para tratar o problema de maneira mais abrangente. Trata-se de uma
forma mais inteligente de abordar uma questão tão complexa, embora o risco seja
constituir fóruns de discussão que quase nunca apresentam medidas concretas que
saiam do papel e façam diferença na vida das pessoas - o que acontece quase
sempre aqui no Brasil, nos mais variados assuntos.
Como seria de se esperar quando se trata de
matérias legislativas voltadas para a segurança pública, o protagonismo na
reação aos ataques nas escolas coube aos parlamentares de direita. Dos 101
projetos identificados, 26 eram de autoria de deputados do PL, 21 do União
Brasil e 10 partiram de filiados ao MDB. Pela esquerda, a liderança coube ao
PDT (7 projetos), PSB (3) e PT (2).
Em meio a tantas proposições mal concebidas
ou simplesmente ruins, algumas ideias merecem consideração. Partindo do
pressuposto de que a maioria desses ataques brutais é movida por um desejo de
repercussão na mídia e nas redes sociais, a deputada Nely Aquino (Podemos-MG),
por meio do PL 1798/2023, defende a proibição da divulgação de imagens, vídeos
ou outras informações dos autores de massacres, terrorismo ou de tiroteios
violentos.
Já o PL 2011/2023, da deputada Lídice da
Mata (PSB-BA), propõe a notificação e coleta de dados sobre “bullying” nas
escolas, com o propósito de subsidiar a formulação de políticas públicas de
prevenção e combate à violência em ambiente escolar.
Numa das últimas cenas da série “Todo Dia a
Mesma Noite”, uma peça de ficção baseada no incêndio da Boate Kiss, um dos
familiares, numa audiência perante um tribunal em Brasília, assume a palavra
para dizer que aquela ação não representava apenas os 242 mortos, a maioria
jovens, pela negligência dos empresários da casa de espetáculos e da banda.
Seu pedido por justiça também representava
as vítimas no Bateau Mouche, nos “acidentes” (!?) de Mariana e de Brumadinho,
no Ninho do Urubu e em tantas outra tragédias que permanecem impunes no Brasil.
Fatos de grande repercussão sempre
estimulam políticos a apresentarem propostas, em geral ruins, para surfar na
popularidade causada pela comoção nacional.
Se pretendem realmente combater e prevenir
crimes como os ataques recentes, em vez de aumentar penas, instalar detectores
de metal ou colocar seguranças privados nas escolas, talvez as autoridades dos
três Poderes e níveis federativos deveriam começar por um pacto contra a
impunidade. Mas é preciso que seja algo para valer, pois o Brasil não precisa
de mais planos nacionais que não saem do papel.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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