quarta-feira, 5 de abril de 2023

Entrevista | Bernard Appy: ‘Há indicação de que Saúde e Educação terão tratamento favorecido’

Secretário extraordinário do Ministério da Fazenda diz que proposta tem fins distributivos, com impacto maior para baixa renda

Por Geralda Doca, Manoel Ventura e Thiago Bronzatto  / O Globo

Escalado pelo governo Lula para aprovar a reforma tributária, o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, diz que acompanha o tema há muitos anos, mas nunca viu um clima tão favorável para tirar do papel um projeto que tramita há mais de três décadas no Congresso.

Ao GLOBO, ele reconhece que precisa contornar resistências de alguns setores, admite que as áreas de saúde e educação poderão ter tratamento diferenciado no novo modelo de cobrança de impostos e diz que alguns serviços prestados para o consumidor final “poderão ter um aumento de tributação em relação à situação atual”.

A proposta discutida com parlamentares funde impostos federais e estaduais, dando lugar ao chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que teria uma alíquota geral de 25%. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o balanço que o senhor faz do estágio atual da reforma tributária e a perspectiva de aprovação?

Estou bastante otimista com relação à aprovação no Congresso. Acompanho esse tema há muitos anos e nunca vi um clima tão favorável. É óbvio que tem um trabalho a ser feito e o relatório ainda precisa ser apresentado, mas acredito que o clima é bastante favorável à aprovação, com alguns ajustes que serão necessários para poder viabilizá-la politicamente.

Quais são os ajustes necessários?

Não vou entrar em detalhes, porque isso será uma decisão política. Sabe-se que há algumas resistências setoriais e, portanto, vai ter que ter alguma construção para mitigar resistências. Há várias formas de fazer essa construção. Não tem um único modelo.

Qual será o melhor modelo considerando as duas propostas em tramitação?

O texto-base vai ser das duas PECs (propostas de emendas constitucionais). Os textos são muito mais semelhantes hoje. A questão é se vai ser um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) único ou um IVA dual. A impressão que temos é que, do ponto de vista das empresas, o ideal seria ter um único IVA, porque é mais simples.

Do ponto de vista federativo, a nossa percepção é que o modelo de IVA dual ajuda mais politicamente a reforma tributária. Mas a diferença entre os modelos é muito pequena.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que há uma discussão de alíquotas diferenciadas para atender alguns setores. Como isso funcionaria?

Alíquota diferenciada é uma forma de tratamento setorial diferenciado e existem outros. Por exemplo: no caso de educação, ao invés de colocar uma alíquota menor que favorece a todos, do pobre ao rico e a classe média, pode ter um sistema em que faz um cashback (dinheiro de volta) do imposto pago por aluno até determinado valor.

Assim, se consegue fazer uma desoneração total ou quase total para uma pessoa de classe média e classe média baixa, que paga uma mensalidade baixa para o filho, e desonerar pouco a mensalidade da pessoa rica que coloca o filho na escola que custa R$ 10 mil por mês. A alíquota diferenciada é uma possibilidade, e não necessariamente a que será adotada.

Como o "cashback” vai funcionar?

O que tem sido mais discutido é o uso do cashback com fins distributivos, para devolver o imposto incidente no consumo de famílias de baixa renda. Como isso vai ser feito? Isso está em aberto. Qual o instrumento pelo qual vai devolver? Tudo está sendo estudado.

Sociedades profissionais como advogados, médicos e contadores pagam hoje PIS/Cofins a 3,65%, uma vez que o ISS é um valor fixo que independe da receita. Com a reforma, passariam a um imposto único estimado em 25%. Isso é razoável?

Um prestador de serviços que está no meio da cadeia, como um advogado ou um contador que presta serviço para uma empresa, paga imposto e não recupera os créditos que adquire. No regime não cumulativo do IVA, ele recupera todo o crédito. Ele tem uma tributação mais alta, mas dá crédito integral para o tomador do serviço.

Para setores como educação e saúde há indicações de que poderão ter algum tratamento favorecido na discussão no Congresso

Em prestação de serviço para o consumidor final, como educação e saúde, há indicações de que terá tratamento favorecido. Isso vai ser definido pelo Congresso. O restante dos serviços tem uma questão de saber o seguinte: quem consome serviço no Brasil são famílias ricas ou famílias pobres? São famílias ricas.

Quando se tributa menos o consumo de serviço do que o consumo de mercadoria, estamos tributando menos o rico do que o pobre.

Como assim?

O cidadão consome mercadorias e serviços, vai baixar o custo de um e eventualmente, aumentar o custo de outros. Por que tem que manter o sistema atual que tributa menos aquilo que o rico consome do que aquilo que o pobre consome? Essa questão tem que ser colocada no debate político.

Como vencer essa resistência do setor de serviços?

Na média, o custo do serviço prestado para a empresa vai reduzir em relação à situação atual. Não que todo mundo vai pagar mais. Vamos deixar bem claro: o custo líquido para o tomador de serviço vai ficar menor do que no sistema tributário atual. Alguns serviços prestados para consumidor final poderão ter um aumento de tributação em relação à situação atual.

A maior parte das mercadorias consumidas vai reduzir o custo em relação à situação atual. Tem que olhar o efeito sobre o poder de compra das famílias, e não o efeito sobre um setor específico.

Quais são os outros setores que podem ter tratamento diferenciado?

Se tiver, vão ser discutidos no Congresso. A nossa posição no Ministério da Fazenda é que tem o mínimo possível de exceções. Mas eu posso garantir que todos os setores da economia vão ser beneficiados. Não estou dizendo que são todas empresas do Brasil, mas todos os setores, sim.

Por que tem que manter o sistema atual que tributa menos aquilo que o rico consome do que aquilo que o pobre consome? Essa questão tem que ser colocada no debate político

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o governo ainda não tem base para aprovar a reforma...

Ela é uma agenda suprapartidária. Não é uma agenda ideológica, de esquerda ou de direita, é uma agenda a favor do Brasil. Eu não acredito que seja uma reforma que vai ser votada (na lógica de) governo contra a oposição.

Os temas que vão estar em debate não são de natureza ideológica. Eu converso com parlamentares de todas as linhas políticas. A reforma tem aderência.

O presidente Lula tem se engajado?

A reforma é uma prioridade do governo, isso é muito claro. O presidente Lula entrará na hora necessária, certamente, ele entrará em campo. O presidente Lula está apoiando internamente e ele certamente entrará em campo politicamente, quando ele achar que é adequado.

O ministro Fernando Haddad disse que pretende avançar na desoneração da folha de pagamentos. Como ficará?

Estamos discutindo a tributação do consumo. No segundo semestre vamos discutir a renda e da folha de pagamentos. Não tem nada definido.

Para a desoneração dos 17 setores que mais empregam, que vence no fim do ano, o que será feito?

Isso é uma coisa muito específica. Quando se está discutindo a desoneração da folha, pode-se discutir coisas mais amplas do que simplesmente isso. A grande questão é saber como financiar. Isso vai ser discutido posteriormente.

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