Analistas avaliam que volta do pagamento traria insegurança jurídica e que o tema deveria ser discutido no âmbito de uma reforma
Por João Sorima Neto, Daniel Gullino e
Mariana Muniz / O Globo
O
Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de voltar a autorizar
a contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados de forma
compulsória. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro
Alexandre de Moraes, mas Edson Fachin e Dias Toffoli decidiram antecipar
seus votos. Com isso, até agora, o placar está cinco a zero, faltando apenas
mais um voto para a maioria ser atingida.
O STF tem 11 ministros, mas está
funcionando com dez por causa da aposentadoria do ministro Ricardo
Lewandowski. Caso a maioria seja atingida, o STF vai, na prática, mudar seu
posicionamento sobre o tema. Em 2017, a Corte considerou inconstitucional a
cobrança compulsória da taxa de trabalhadores não sindicalizados.
Embora entidades sindicais elogiem o rumo
do julgamento, que poderia significar mais recursos para os sindicatos,
especialistas em mercado de trabalho consideram essa possível mudança um
retrocesso. E listam contradições. Eles ressaltam três pontos problemáticos
caso a contribuição seja aprovada:
Não há prestação de contas sobre como os
sindicatos usam os recursos.
Não existe liberdade sindical no país. O
trabalhador não pode escolher a qual entidade gostaria de se filiar, já que a
legislação só permite um por categoria.
A decisão eleva a insegurança jurídica,
além de abrir caminho para a volta do imposto sindical.
A contribuição assistencial é um tipo de taxa usada para custear as atividades do sindicato. Ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não tem valor fixo. Hoje, é cobrada apenas dos trabalhadores sindicalizados.
Ela é diferente da contribuição sindical,
mais conhecida como imposto sindical, que é cobrada anualmente e corresponde a
um dia de trabalho. Desde a reforma trabalhista de 2017, no entanto, o imposto
sindical só pode ser cobrado dos trabalhadores que derem “autorização prévia e
expressa”. O julgamento atual do STF não afeta esse tipo de contribuição.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes,
havia sido contrário à cobrança no passado, mas mudou de opinião convencido pelo
voto de Luís Roberto Barroso, que defendeu que a cobrança é possível, desde que
haja o “direito de oposição”, ou seja, que o trabalhador tenha a opção de
decidir se quer pagar ou não.
‘Contraria o texto da CLT’
O professor da Faculdade de Economia e Administração
(FEA) da Universidade de São Paulo Helio Zylberstajn lembra que o STF voltou
atrás depois do fato julgado, ou seja, já existe jurisprudência da não
obrigatoriedade da contribuição assistencial:
— É tudo esquisito nessa volta da
contribuição. Sou a favor da obrigatoriedade da cobrança pelo serviço que o
sindicato oferece. O problema é que, no modelo brasileiro, se cria um mercado
que é um monopólio, já que só pode existir um sindicato de cada categoria. É um
mercado cativo e todos têm que pagar. A verdade é que esta é uma questão mal
resolvida no Brasil, já que não há questionamento sobre a representatividade do
sindicato. Seria preciso uma reforma sindical no país.
Ele lembra que, em outros países, existem
outras formas de financiar os sindicatos. Em alguns, o Estado terceiriza a
intermediação de mão-de-obra aos sindicatos e paga por isso.
Zylberstajn enfatiza que, numa democracia,
os sindicatos precisam existir para representar os direitos dos trabalhadores.
Mas o melhor seria ter vários sindicatos e o trabalhador pagaria para aquele em
que estivesse satisfeito.
‘Muitos não conseguem exercer direito de
oposição’
Para Paulo Rogério de Oliveira,
especialista na área trabalhista no Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e
Freitas Advogados, a imposição do pagamento da contribuição vai de encontro à
livre associação sindical prevista na Constituição. Ele pondera que isso gera
custo adicional ao empregado, já que nem sempre ele consegue se opor à
cobrança.
— Mesmo que seja assegurado o direito de
oposição do trabalhador, muitos não conseguem exercê-lo porque não há ampla
divulgação do prazo para contestação. Na prática, ele acaba sendo obrigado a
pagar a contribuição. O melhor seria que os sindicatos buscassem outros meios
para custear sua manutenção.
Para Oliveira, a mudança de entendimento
sobre a constitucionalidade da cobrança, através do julgamento de embargos de
declaração, traz insegurança jurídica pois abrirá a porta para que a parte
insatisfeita com a decisão ingresse com embargos de declaração para discutir o
mérito.
‘O Poder Judiciário está legislando’
A advogada Silvia Monteiro, sócia e
especialista em direito do Trabalho no Urbano Vitalino Advogados, defende que o
tema seja discutido em uma reforma sindical:
— Ao permitir a criação da contribuição
assistencial, sem a prévia anuência do trabalhador, contrariando o texto da
CLT, entendo que o Poder Judiciário está legislando, e não julgando, como
deveria ocorrer no caso.
‘Alternativa justa e adequada’
O fim do imposto sindical foi um grande
avanço da reforma trabalhista, diz Rafael Grassi, sócio do escritório TPC
Advogados. Ele era obrigatório e o sindicato só ficava com uma parte desse
imposto, pois tinha que dividir a arrecadação com federações e confederações
sindicais.
— O que se discute agora é uma contribuição
assistencial a ser aprovada em assembleia dos trabalhadores interessados,
incluída em acordo coletivo de trabalho, resguardado o direito individual de
recusa. É uma alternativa justa e adequada, pois os sindicatos precisam de
recursos para defender a categoria — diz.
Ele observa que seria preferível que o tema
fosse discutido e regulado pelo Poder Legislativo numa reforma sindical:
— Mas até que isso seja feito, e se for
feito, cabe ao Poder Judiciário resolver a questão. Uma decisão do STF
autorizando a contribuição assistencial não aumentará a judicialização, ao
contrário, trará segurança jurídica para aqueles que pretendem implantá-la e
fortalecerá os atores sociais da negociação coletiva.
O julgamento, que ocorria no plenário
virtual, estava previsto para terminar na segunda-feira. No entanto, na
sexta-feira, Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise). Apesar
da interrupção, os ministros podem optar por antecipar seus votos, e foi o que
fizeram Fachin e Toffoli. Antes do pedido de vista, Cármen Lúcia também já
havia votado de forma favorável.
Ainda faltam votar quatro ministros: Alexandre
de Moraes (que pediu vistas), Nunes Marques, Rosa Weber (presidente da corte) e
Luiz Fux.
O ministro André Mendonça, que substituiu
Marco Aurélio Mello no ano passado, não votaria. Mello já votou, seguindo o
voto de Gilmar, que na época fora contrário à contribuição assistencial
obrigatória aos sindicatos. O STF ainda terá de decidir se vai considerar ou
não o voto do ex-ministro, uma vez que o relator alterou o seu posicionamento.
Em tese, o voto de Mello continuaria valendo no plenário virtual. Mas o plenário pode entender que, como o relator mudou seu voto, a posição de Marco Aurélio fica prejudicada. Neste caso, Mendonça seria chamado a votar. Isso só será definido no momento da proclamação do resultado.
Caldo de galinha e um pouco de cultura jurídica não fazem mal a ninguém.
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