sexta-feira, 19 de maio de 2023

Laura Karpuska* - Redes de intrigas

O Estado de S. Paulo

O PL das Fake News mostra a dificuldade do Congresso, bem como a complexidade do assunto

No filme Rede de Intrigas de 1976, Howard Beale, um apresentador de noticiário na televisão, é demitido devido à baixa audiência do seu programa. Em um surto emocional ao vivo, Beale anuncia que vai se matar na televisão na semana seguinte. A emissora decide mantê-lo no ar e estreia o programa A Hora da Raiva, onde Beale desabafa sua raiva contra a sociedade e o sistema.

Em uma cena clássica do cinema, Beale grita “I’m mad as hell and I am not going to take it any longer” (“Estou furioso e eu não vou mais tolerar isso”, na minha tradução livre). Ouvem-se pessoas gritando o mesmo por suas janelas na cidade de Nova York. É a previsão do entretenimento dominando a comunicação saudável. O que importa é a distração em si.

Se Paddy Chayefsky, o criador do roteiro do filme Rede de Intrigas, encontrasse Orwell e Huxley, a distopia resultante poderia ser muito parecida com o que vivemos hoje com as redes sociais.

Existem plataformas que permitem a manipulação do conhecimento coletivo, indivíduos se tornam ao mesmo tempo “mad as hell”, mas também conformistas e passivos.

Redes sociais têm se mostrado canais importantes para discursos de ódio e desinformação que podem ter consequências no mundo real, como violência e discriminação contra minorias.

Especialistas acreditam que as mídias sociais podem estar minando a comunicação humana e a coesão social ao substituir redes artificiais por redes reais. Há evidência de que as pessoas clicam em notícias com chamadas negativas – o impacto sobre a saúde mental dos usuários ainda não é claro.

Como lidar com isso? Alguns argumentam que melhores práticas de moderação, regulação externa ou novas tecnologias podem superar os desafios apresentados pelas mídias sociais. Mas a profundidade do problema vai além da regulamentação. Caímos no clássico problema da regulação centralizada: quem será o responsável por determinar as regras de regulação? O PL das Fake News mostra a ignorância e a dificuldade do Congresso, bem como a complexidade do assunto.

Quando as instituições são mais rígidas do que a velocidade dadesinformação,aregulaçãodescentralizada parece ser o melhor caminho. Como podemos estimular redes sociais mais saudáveis?

“Orwell temia que a verdade nos fosse ocultada. Huxley temia que a verdade se afogasse em um mar de irrelevância.” Esta é a análise do antigo livro de Neil Postman, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. Acrescento que podemos temer ambas as coisas – e as tentativas de regulação das mídias sociais.

*Professora do Insper, PH.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook

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