Valor Econômico
Alexandre de Moraes e Arthur Lira acumulam
reféns na batalha em que falta tropa a Lula
“[Marcelo
Siciliano] está nessa história de bucha. Se não tivesse de bucha, irmão, eu não
pediria por ele, tá de bucha. Eu sei dessa história de Marielle, toda irmão.
Sei quem mandou. Sei a p... toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí”.
O desabafo é do advogado e militar da
reserva Ailton Moraes, que pede ao coronel Mauro Cid para interceder junto ao cônsul
dos Estados Unidos no Rio pelo visto do seu amigo Marcelo Siciliano. Em troca,
promete a ajuda deste na falsificação do cartão de vacinação da mulher do
ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A história não poderia resumir melhor a falsificação
do cartão de vacina do ex-presidente, de sua filha e assessores. Confirma a
lógica que marcou a passagem de Jair Bolsonaro pelo poder: uma sucessão de
“operações tabajara” que contaram com sofisticadas blindagens - do submundo das
milícias à cúpula da política nacional.
A falsificação do cartão de vacinação da turma foi uma trapalhada do começo ao fim. As vacinas foram lançadas no sistema do SUS até um ano depois de, alegadamente, terem sido aplicadas em locais por onde o ex-presidente não passou nas datas referidas. Ao serem apagados, os registros deixaram rastros que vinculam aos ex-ocupantes do Planalto.
Esta operação de cartões falsos de vacinas
envolveu milicianos relacionados com o presidente que mantiveram silêncio, ao
longo de cinco anos, sobre os mandantes da morte da ex-vereadora Marielle
Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.
No dia em que tudo isso vem à tona, o
presidente da Câmara e apoiador-mor da candidatura de Bolsonaro à reeleição,
deputado Arthur Lira (PP-AL), disse, em entrevista à GloboNews, que uma
operação como aquela que prendeu assessores de Bolsonaro e fez uma busca e
apreensão em sua casa, “não ajuda” a pauta do governo na Câmara.
Lira mantém o governo refém de suas ameaças
porque conta com a bancada bolsonarista na Câmara. Por isso, a protege. Suas
principais lideranças estavam tão assustadas ontem que não deram as caras no
depoimento, na Comissão de Fiscalização e Controle da Casa, de um de seus alvos
prediletos no governo, o ministro da Justiça, Flavio Dino.
Lira é aquele com quem o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, conta como principal garantia de que a pauta
econômica vai deslanchar no Congresso. E é o mesmo que se insurge contra o
cerco jurídico-policial ao ex-presidente. Não foi suficiente o governo Luiz Inácio
Lula da Silva empenhar os 120 votos de sua coalizão eleitoral na reeleição de
Lira. É preciso também que o Judiciário estenda o manto protetor ao
ex-presidente.
É verdade que não é possível ignorar o
partido de Bolsonaro, o maior da Câmara. E também é sabido que o governo
precisa de paz e votos no Congresso para convencer o Copom a descer do pedestal
dos 13,75%, mas sua perturbação não é de iniciativa exclusiva do ministro
Alexandre de Moraes.
O ministro do Supremo Tribunal Federal tem
sido acusado de ser uma reencarnação piorada do voluntarismo lava-jatista
porque o faz a partir da instância superior do Judiciário. Mas parece claro
que, nas últimas semanas, a perturbação da ordem que impede o país de avançar
nas pautas econômicas tem sido de iniciativa dos apoiadores do ex-presidente.
Quem levou à frente a CPI do 8/1, sob a
proteção de Lira, foi a bancada bolsonarista. A mesma bancada melou a votação
do projeto de lei das fake news. É um Brasil que permanece virado ao avesso
este em que a liberdade de expressão e o rechaço à censura são reivindicações
de golpistas.
As duas decisões de Moraes da semana, a
primeira, que referendou a regulação imposta por Dino às plataformas digitais,
e a segunda, que autorizou a operação da Polícia Federal contra os falsários da
imunidade, são uma reação à investida bolsonarista. E não o contrário.
Lula bem que tenta administrar a situação
na condição de árbitro das desavenças. Num dia, recebeu Lira para almoçar
depois de entrevista malcriada do presidente da Câmara e liberou mais um
dinheirinho.
No outro, com uma penca de oficiais presos,
confirmou mais um general, Marcos Antonio Amaro, nome da predileção do
Exército, para o Gabinete de Segurança Institucional.
A arbitragem de Lula, porém, não desata os
nós da conjuntura. A estratégia de Lira é reincidente. Dá corda para Haddad
como deu para Paulo Guedes. “Vai ter uma hora em que ele vai puxar”, diz um
aliado próximo.
Quem acumula munição para a batalha que se
aproxima é Alexandre de Moraes. Além de Anderson Torres, o ex-ministro da
Justiça de Bolsonaro e autor da minuta golpista encarcerado pela reprise do
velho estilo Sérgio Moro de delação pressionada, agora Moraes tem mais dois
detidos, o ex-faz-tudo de Bolsonaro, Mauro Cid, e sabe-tudo da morte de
Marielle, Ailton Moraes.
Assim como o ex-presidente sustenta, até
hoje, que nada tem a ver com o 8 de janeiro, também dirá que o cartão de vacina
foi falsificado à sua revelia. Os novos encarcerados de Moraes terão oportunidade
de confirmar, ou não, as convicções de Bolsonaro.
São reféns do bolsonarismo e não do
presidente da Câmara, é bem verdade, mas é com a penca de apoiadores do
ex-presidente que Lira banca o cacife do jogo. É a única bancada imune à
capacidade de atração do Tesouro. E é nela que o presidente da Câmara,
paradoxalmente, se fia. Vem daí a relevância da operação que, mais uma vez,
coloca em questão, a imunidade do bolsonarismo.
Todos cairão!
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