O Globo
Anistia proposta impede punição a
irregularidades dos partidos políticos
Se um raio divino não cair sobre o
Congresso para castigar os pecadores, deve ser aprovada hoje na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara o que já é avaliado como a maior anistia da
história política recente, impedindo que irregularidades eleitorais dos
partidos políticos detectadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sejam
punidas.
O TSE terminou recentemente a análise dos gastos partidários de 2017 — atraso que, por si só, favorece a impunidade — e determinou multas no valor de R$ 40 milhões, corrigidas pela inflação. A anistia pretendida beneficia governo e oposição, esquerda e direita, é ampla, geral e irrestrita, atinge praticamente todos os partidos, acusados de gastos indevidos do dinheiro público ou de não cumprirem a legislação eleitoral, principalmente a que determina cotas raciais e de gênero para as candidaturas.
A anistia, na forma de uma Proposta de
Emenda Constitucional (PEC), proíbe qualquer punição a irregularidades
cometidas antes de sua publicação. Será mais uma de cinco já aprovadas ao longo
do tempo para anistiar os partidos por seus desvios. Só entre o ano passado e
este ano, os partidos receberam mais de R$ 6 bilhões dos cofres públicos (o
fundo eleitoral repassou R$ 5 bilhões e, neste ano, o fundo partidário
destinará às siglas R$ 1,185 bilhão).
O presidente do TSE, o onipresente ministro
Alexandre de Moraes, foi relator da punição. Identificou “gastos sem relação
com a atividade partidária e em benefício de dirigentes” e falta de comprovação
da destinação das verbas. O caso mais extravagante, que mostra como os partidos
não se preocupam com as consequências de seus atos, é a suspeita de que o
ex-presidente do PROS Eurípedes Jr. tenha usado verba pública para comprar
toneladas de carne e equipamentos para uma churrascaria cuja proprietária foi
sua companheira.
Num humor involuntário, os técnicos do TSE
disseram que não foi possível constatar o uso de tais equipamentos — forno e
bifeteira elétricos, pratos, copos, taças de vinho, maçarico culinário — “em
atividades partidárias”. Outro item da gastança que, segundo o partido,
obedeceu às normas vigentes foi a construção de uma piscina na casa de
Eurípedes Jr., onde atuaram empregados do partido. Uma consequência óbvia da
aprovação da PEC é que ela não poderá ser revogada pelo Congresso.
Portanto o caso deverá parar no Supremo,
pois já existem movimentos de órgãos da sociedade civil para tentar impedir
mais este abuso. Representantes de diversos setores, participantes do Conselhão
do governo Lula, divulgaram documento pedindo que o governo intervenha para
impedir que sua base aliada aprove a anistia no Congresso. Mais parece um
amargo engano de líderes que se dispuseram a fazer parte de um conselho que
assessora o governo, mas, no final das contas, não tem nenhuma influência real
nas decisões.
Mesmo porque, entre os que assinaram a
proposta, está o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães. São casos
como esse que fazem o cidadão perder a confiança nos partidos políticos. Não
apenas os partidos desmoralizam a política. Um bom exemplo é o procurador-geral
da República, Augusto Aras, e seus malabarismos para se manter no cargo, seja
qual for o governo.
Enquanto tinha esperança de ser nomeado
para uma das vagas do Supremo por Bolsonaro, fez poucas e boas para mostrar
fidelidade. Perdida a chance da vaga no Supremo com a indicação de André
Mendonça, Aras continuou sua luta para, pelo menos, ser mantido no cargo pelo
novo presidente, já que a escolha de Cristiano Zanin, advogado de Lula, parece
certa para o STF.
Aras, durante o governo Bolsonaro, rejeitou
meia dúzia de vezes processos contra o presidente. Agora apoia investigações
contra Bolsonaro, alegando que suas manifestações são feitas de “forma
técnico-jurídica, com base nas especificidades de cada momento procedimental”.
Pelo visto, o “momento procedimental” já não é mais favorável a Bolsonaro, mas
a Lula. A única coisa a fazer é aguardar um raio justiceiro.
Cruzes!
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