sexta-feira, 2 de junho de 2023

Bernardo Mello Franco - Lira fabricou crise para manter governo como refém

O Globo

Chefão da Câmara alegou "insatisfação generalizada" e ameaçou implodir ministérios de Lula

Já era noite de quarta-feira quando Arthur Lira desceu do carro oficial na chapelaria do Congresso. A sessão havia sido aberta antes das dez da manhã, mas os deputados dependiam da chegada do chefão da Câmara.

Cercado por microfones, ele informou que havia uma “insatisfação generalizada” com o Planalto. Em seguida, ameaçou não votar a Medida Provisória que reestruturou o governo. “Não é uma matéria de vida ou morte para o país”, desdenhou.

Se a MP não fosse aprovada até ontem, a equipe de Lula seria dissolvida. Dezessete ministérios desapareceriam da noite para o dia. A Esplanada voltaria ao formato deixado por Jair Bolsonaro, que perdeu a eleição.

Pastas como Cultura e Povos Indígenas, prometidas na campanha, simplesmente deixariam de existir. “Se der certo, parabéns”, ironizou Lira, antes de dar as costas aos repórteres e entrar no elevador privativo.

O pupilo de Eduardo Cunha levou o clima de chantagem até o limite. Forçou o presidente a pedir arrego e abrir os cofres para o Centrão. Só na terça, o Planalto liberou R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares. Mesmo assim, suou frio até o fim da votação, que invadiu a madrugada de quinta-feira. “Foi doído, foi doloroso”, admitiria o líder do governo, José Guimarães.

Lira sabe como criar dificuldades para vender facilidades. Transformou a reorganização dos ministérios, que sempre foi um direito de quem vence a eleição, em mercadoria negociada a peso de ouro. Para evitar uma derrota humilhante, o governo teve que ceder os anéis — e ainda pode ser obrigado a entregar os dedos.

Aliados do chefão da Câmara sussurram uma extensa lista de desejos. Ele quer retomar o controle sobre o Orçamento, trocar o ministro das Relações Institucionais e derrubar o titular dos Transportes, filho de seu maior desafeto na política de Alagoas. De lambuja, aceita o Ministério da Saúde, que já havia tentado abocanhar na transição.

Lira fabricou uma crise para mostrar que mantém o Planalto como refém. Depois da votação da MP, renovou o estoque de ameaças. “Daqui para a frente, o governo vai ter que andar com suas próprias pernas”, avisou. Mas ele estará sempre por perto para alugar uma muleta.

 

Um comentário: