O Globo
No afã de absolver ex-presidente, Raul
Araújo chamou ataques à democracia de "excessos verbais"
Ao votar contra a inelegibilidade de Jair
Bolsonaro, o ministro Raul Araújo lançou um argumento curioso. Disse que o
capitão mentiu sobre o sistema eleitoral, mas alegou que isso não seria grave o
suficiente para justificar uma punição.
Araújo caprichou nos eufemismos ao
descrever a conduta do ex-presidente. Classificou suas acusações falsas como
meros “excessos verbais”. Segundo o ministro, “nem todo o discurso veiculou
afirmações inverídicas”. Isso equivale a dizer que uma autoridade pode mentir à
vontade, desde que tempere as lorotas com pitadas de verdade.
Em outra pirueta retórica, Araújo afirmou não ver “relação de pertinência” entre o ataque de Bolsonaro às urnas e a minuta de golpe apreendida com seu ex-ministro da Justiça. Faltou explicar por que ele concordou, em fevereiro, com a inclusão do documento no processo. O TSE aprovou a medida por unanimidade.
É falso afirmar que Bolsonaro cometeu
“excessos” numa reunião corriqueira com embaixadores. Seu discurso fez parte de
uma campanha sistemática para desacreditar o sistema eleitoral. O objetivo era
radicalizar o eleitorado e criar ambiente para um golpe.
A tática passava pela incitação de um
estado de “paranoia coletiva”, como definiu o ministro Benedito Gonçalves. A
expressão ajuda a entender os fanáticos que se fantasiaram de patriotas para
invadir e depredar prédios públicos em Brasília.
Ao defender a absolvição de Bolsonaro,
Araújo citou oito vezes o princípio da “intervenção mínima”. Disse que a
Justiça só deve interferir no processo eleitoral em casos extremos.
O argumento lembrou uma frase célebre de
Gilmar Mendes na época do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. Depois de
liderar a manobra que descartou pilhas de provas de corrupção e caixa dois, o
supremo ministro disse que a Justiça Eleitoral “não existe para cassar
mandatos”.
Na sessão de ontem, coube ao ministro
Floriano Marques desmontar os sofismas de Araújo. Ele lembrou que o TSE já
declarou a inelegibilidade de centenas de políticos por crimes “de impacto e
gravidade muito menores”.
O ministro acrescentou que a eventual
absolvição de Bolsonaro teria consequências perigosas. “Admitido esse
comportamento, daí em diante tudo se torna possível. E desastroso”, advertiu.
Falou!
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