sexta-feira, 23 de junho de 2023

Celso Ming - O arcabouço e a dívida pública

O Estado de S. Paulo

O projeto do arcabouço fiscal se encaminha para aprovação. Falta ainda avaliação final da Câmara, mas as discussões mais importantes estão finalizadas.

A nova regra fiscal, que substitui o teto de gastos, limita o crescimento das despesas a até 70% da variação real da arrecadação, em caso de cumprimento da meta de resultado primário dos dois últimos anos; e a 50% do crescimento real da receita do governo, quando houver déficit. O crescimento das despesas tem faixa de tolerância entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.

Ficaram de fora do limite de gastos as despesas da União com o Fundeb, voltado para educação básica, e com o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Transferências a Estados e municípios pela concessão de florestas federais, pagamento de precatórios e os gastos com ciência, tecnologia e inovação também não seguem a regra.

O maior mérito da novidade foi evitar uma disparada imediata da dívida pública e o alastramento subsequente de turbulências no mercado. Mas há pontas soltas que não garantem a sustentabilidade da nova regra.

Ainda não está claro, por exemplo, como o governo vai conseguir recursos adicionais de R$ 120 bilhões por ano para garantir o funcionamento do sistema. Também será preciso parar com as políticas de desonerações fiscais de modo a viabilizar o cumprimento das regras, mas o governo segue distribuindo benesses. Um aumento expressivo de impostos seria prejudicial não só para o crescimento da economia, mas, também, para a imagem do governo.

A política de aumento real do salário mínimo e a vinculação de despesas das áreas de saúde e educação jogam mais dúvidas sobre a sustentabilidade do projeto mais à frente. Na visão do economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, a maior encrenca da dívida, que são as despesas obrigatórias, não foi sanada. “O Brasil tem um orçamento muito rígido. A decisão de garantir ganho real do salário mínimo vai pesar e, para cumprimento do arcabouço, outras despesas teriam de ser achatadas.”

Deve entrar nesse cálculo ainda o papel do Estado na formulação de futuras políticas de demanda pública e outros compromissos de campanha, como a correção da tabela do Imposto de Renda para a faixa de R$ 5 mil. Como avalia Gustavo Arruda, do banco BNP Paribas, o Brasil voltará a discutir a questão fiscal dentro de alguns anos, quando as decisões já aprovadas estrangularem a formulação do Orçamento e forem flexibilizadas.

Uma das justificativas para a troca da âncora fiscal foram os sucessivos “furos no teto de gastos”, que tornaram a regra ineficaz. Não dá para dizer que o novo desarranjo virá ainda no governo Lula. O tamanho do rombo fiscal depende do crescimento do PIB, da proporção dos juros (que são incorporados à dívida), da inflação que determina a altura dos juros, do câmbio e – obviamente – da voracidade fiscal do governo e do volume da gastança.

 

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