O Globo
Vou direto ao ponto: Se você quiser pacto
comigo, eu quero o Ministério da Saúde. Por menos, não tem acerto
Lula,
você nunca me viu, mas eu te vejo. O Guimarães Rosa listou alguns dos meus
nomes: sou o Arrenegado, o Cão, o Coisa-Ruim.
Escrevo-lhe porque suspeito que vosmicê
queira fazer um pacto comigo. Falo porque sei. Como minto muito, dou-lhe
exemplos factuais, ocorridos com seus antecessores. Creia.
Em 1996, Fernando Henrique Cardoso foi
prensado pelo que já se chamava de Centrão e aceitou trocar a ministra da
Indústria e do Comércio, Dorothea Werneck. Não confie na palavra do Canho, ouça
Fernando Henrique. Naquele dia 26 de abril ele registrou:
“Hoje foi talvez o dia mais difícil, mas o
mais duro para mim. (...) Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir. (...) Eu me
emocionei, ela chorou, eu também. (...) Ela acha que estamos fazendo um pacto
com o Diabo.”
Veja como são as coisas, usam meu nome sem
saber das minhas artes. Se o Fernando Henrique queria fazer pacto comigo, nunca
tratei do assunto. Conhecendo-o, não tinha garantia de que entregasse o
combinado.
Anos depois, tendo saído do governo, ele disse que a presidente Dilma Rousseff ia “fazer um pacto com o demônio o tempo todo.” Acertou, ela fez o pacto com meus agentes e perdeu o cargo em 2016.
Soube que você chorou numa conversa com sua
ministra do Turismo, Daniela Carneiro. Ela estava acompanhada pelo marido,
Waguinho, prefeito de Belford Roxo. Saiba que são muitos os meus domínios na
Baixada Fluminense. Lá tenho políticos, milicianos, policiais e, às vezes, até
diretores de escolas e hospitais. Mais não digo.
Veja só, o Fernando Henrique chorou com a
Dorothea Werneck, e você chorou com a Daniela
do Waguinho. Essas são minhas artes.
Vou direto ao ponto: Se você quiser pacto
comigo, eu quero o Ministério da Saúde. Por menos, não tem acerto.
Sou mentiroso e só engano quem pensa que é
pior que eu. Vai daí que mesmo me entregando o Ministério da Saúde, não garanto
que venha a cumprir o que for prometido.
Explico-lhe: o que meu pessoal lhe oferece
em nome do Arrenegado é apenas uma parte do que eles e eu queremos. Firmado que
você fez um pacto conosco, o resto é mais fácil.
O Fernando Henrique disse em 2015 que a
senhora Rousseff fez um pacto comigo. Pode ser. Mas eu já estava trabalhando.
Daqui do meio do redemoinho eu ajudo a nomear e a demitir ministros.
Nos seus dois primeiros governos, tive
dois, não digo quais.
Em junho de 2013, seu vice-presidente,
Geraldo Alckmin, era o governador de São Paulo, e seu ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, era prefeito da capital. Os dois estavam em Paris e haviam
cantado “Trem das Onze” em um evento. Na noite do dia 13, um choque da PM
interrompeu uma passeata pacífica com bombas de barulho e gás. Deu no que deu.
Como estão falando muito nos dez anos
daquelas jornadas, pergunte aos dois quem mandou a PM fazer aquilo.
Fui eu.
Até logo.
P.S.: O Arthur Lira aprovou um projeto que
criminaliza o que vier a ser considerado uma discriminação à espécie dos
políticos e de seus familiares. De onde saiu essa ideia?
A Câmara votou a lei da carteirada
Dezesseis dias depois de a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado a condenação do ex-deputado Eduardo
Cunha, a Câmara aprovou um projeto histórico. Com tramitação relâmpago — 252
votos contra 163 —, passou um projeto de Dani Cunha (União-RJ), filha do doutor
Eduardo, que criminaliza práticas que venham a ser consideradas
discriminatórias da atividade pública, e a proteção estende-se aos seus
familiares.
Entre outras blindagens, pelo projeto
aprovado, os bancos não podem negar crédito a algumas pessoas de qualquer um
dos três Poderes porque elas têm atividade pública.
O projeto blinda cerca de dez mil pessoas,
parlamentares, magistrados, procuradores e dirigentes de partidos políticos e
seus familiares.
Sua constitucionalidade é discutível, mas
essa é uma questão que será decidida pelo Supremo Tribunal.
No século XIX, o Parlamento brasileiro
travava a aplicação de uma lei que proibia o contrabando de escravizados. No
XXI, a Câmara quer criar uma categoria especial de cidadãos com base em suas
atividades. Existem leis que protegem os menores, os negros, as mulheres e os
idosos. São todas genéricas.
Se o projeto passar pelo Senado, os dez mil
formarão uma casta.
Só cinco partidos votaram em bloco contra o
projeto: PSOL, PC do B, Cidadania, Novo e Rede. Juntos, somaram 16 votos.
Adiante, listam-se seis deputados que
votaram a favor da blindagem e seis que votaram contra. (A lista completa está
na rede, vale a pena visitá-la.)
Votaram a favor: Aécio Neves (PSDB-MG),
André Fufuca (PP-MA), Antonio Doido (MDB-PA), Baleia Rossi (MDB-SP), José
Guimarães (PT-CE) e Rui Falcão (PT-SP).
Votaram contra: Bia Kicis (PL-DF), Chico
Alencar (PSOL-RJ), Érika Kokay (PT-DF), Kim Kataguiri (União-SP), Lídice da
Mata (PSB-BA) e Tabata Amaral (PSB-SP).
O andar de cima tem suas mumunhas
Uma lei de 1831 dizia que todo negro escravizado
que chegasse ao Brasil era livre, desde que prestasse serviços à Coroa por um
determinado número de anos. A Coroa, por sua vez, terceirizava esses serviços,
cedendo os negros a cidadãos de “probidade e inteireza”.
Colocando-se o negro para trabalhar, com um
mês de seu salário pagava-se a anuidade da concessão. Foram privatizados alguns
milhares de negros.
Os dois maiores políticos do Império,
Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná, e Luís Alves de Lima e Silva,
Duque de Caxias, receberam dezenas de negros livres. Dois grandes jornalistas
daquele tempo (Justiniano José da Rocha e Firmino Rodrigues Silva) também
ganharam negros.
Magistrados, barões, médicos e a turma do
palácio de D. Pedro II ganharam seus lotes.
Serviço: Este assunto foi tratado pela
professora Beatriz Gallotti Mamigonian no seu livro “Africanos Livres - A
Abolição do Tráfico de Escravos para o Brasil”. A lista dos beneficiados pelas
concessões está na rede, na sua tese de doutorado, “To be a Liberated African
in Brazil: Labour and Citizenship in the Nineteenth Century” (“Africanos Livres
no Brasil - Trabalho e Cidadania no século XIX”).
O andar de cima de Pindorama sabe cuidar de
seus interesses.
Dois estilos
Quando era um jovem oficial, o atual
comandante do Exército, general Tomás Paiva, foi ajudante de ordens do
presidente Fernando Henrique. Ninguém ouviu falar dele.
Estimulado pelo estilo de seu chefe, o
tenente-coronel Mauro Cid tornou-se figura carimbada.
Metia-se em tudo, até na redação de um discurso de Bolsonaro na assembleia geral das Nações Unidas. Deu no que deu.
Pois é.
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