quarta-feira, 21 de junho de 2023

Fernando Exman - Anistia é coisa do passado, cobra-se no governo Lula

Valor Econômico

Há um entendimento entre autoridades dos três Poderes de que o desfecho desse episódio terá imensas consequências futuras

A cúpula do Exército difundia na semana passada para a cadeia de comando mais uma rodada de mensagens em defesa do legalismo, quando, na quinta-feira (15), foi surpreendida com um novo capítulo da trama golpista que pretendia interromper o curso natural da história: a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o legítimo exercício do terceiro mandato obtido pelo petista nas urnas. Pela primeira vez, era descrita a participação de um oficial da ativa lotado no quartel-general na articulação antidemocrática realizada por bolsonaristas radicais.

Pior: conforme revelado na reportagem da revista “Veja”, esse militar atuava no Estado-Maior do Exército.

Não é um local qualquer. O Estado-Maior é o órgão de direção-geral responsável, perante o comandante, pela preparação da Força Terrestre. Em outras palavras, tem a missão de estudar, planejar, orientar e coordenar todas as atividades essenciais para a atuação da instituição.

Buscou-se uma reação rápida. De imediato, conforme anunciado já na manhã da sexta-feira, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, decidia suspender qualquer promoção e uma viagem ao exterior do coronel Jean Lawand Junior, o militar citado na reportagem. Na sequência, o general comunicou sua decisão ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e deslocou-se com ele até o Palácio da Alvorada para fazê-lo também ao próprio presidente Lula.

Oficial da artilharia, Lawand permanecerá no Brasil para apresentar sua defesa internamente. E ficará à disposição da Justiça.

Ele iria para os Estados Unidos trabalhar na representação brasileira em Washington. Mas sua passagem de ida foi cancelada depois que dados encontrados no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o apresentaram como um indisciplinado defensor do golpe de Estado e da quebra da hierarquia dentro da Força. Em uma das mensagens enviadas a Cid, ele destaca que Bolsonaro precisava dar imediatamente a ordem para que as Forças Armadas agissem.

O plano dos golpistas tinha começo, meio e fim. E a ordem que Lawand implorava para ouvir era apenas parte desse estratagema.

De acordo com os documentos apreendidos no telefone celular de Cid, o chefe do Executivo deveria enviar um requerimento aos comandantes das Forças Armadas descrevendo atos do Judiciário que, em sua opinião, estariam gerando desarmonia entre os Poderes. Nesse requerimento, seria evocado o artigo 142 da Constituição, que numa interpretação mal-intencionada feita pelos bolsonaristas radicais daria aos militares um poder moderador em eventuais crises institucionais.

Os mentores do golpe insistiam num verniz jurídico há muito rechaçado por juristas de renome, integrantes de cortes superiores e, sobretudo, pela cúpula das Forças Armadas. Em um labirinto retórico, como se pôde ler depois no material que teve seu sigilo retirado pela Justiça, os autores do roteiro do golpe evocariam o princípio da “moralidade institucional” para derrubar eventuais decisões judiciais consideradas por eles ilegítimas ou abusivas.

Deferido o requerimento pelas Forças Armadas, o tal poder moderador nomearia então um interventor. E este teria sob seu comando as próprias Forças Armadas, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

O interventor receberia um prazo para agir e uma ampla missão a cumprir: suspender decisões judiciais, abrir inquérito contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), intervir na composição do Tribunal Superior Eleitoral e estabelecer prazo para novas eleições. Sublinhe-se: o novo pleito seria coordenado pelo TSE, sim, mas em sua nova composição.

Em relação à cúpula do Exército, existe um ponto relativamente positivo no material encontrado com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro: segundo disse Cid ao coronel Lawand, o ex-presidente não confiava que o Alto Comando da Força seguiria a tal ordem. Ou seja, as reiteradas mensagens de que a cúpula do Exército se manteria legalista também chegaram ao comandante supremo das Forças e estava evidente que Bolsonaro não contaria com ela para um golpe.

Por outro lado, também nos diálogos revelados pela revista “Veja”, Lawand assegurou ao interlocutor que o levante teria mais adesões nas instâncias inferiores. Isso entrou no radar do governo Lula.

Um ministro afirma que, se nada for feito pelo Exército, estará em curso um processo de desmoralização do Executivo perante os fatos e o Poder Judiciário. De acordo com essa fonte, não há como ignorar tais informações - sobretudo porque muita gente foi presa “por muito menos”. Além de uma clara ilegalidade, o que está relatado contraria todos os princípios fundamentais defendidos no meio militar.

Essa fonte aponta ainda que há um entendimento entre autoridades dos três Poderes de que o desfecho desse episódio terá imensas consequências futuras, e não só no processo que pode tornar Bolsonaro inelegível. Argumenta-se, por exemplo, que o Brasil passou por um processo de redemocratização lastreado por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Mas isso não teria como se repetir hoje, diante das investigações dos atos que culminaram nos ataques do dia 8 de janeiro.

Existe, também, um consenso de que novas denúncias continuarão a surgir. Não está claro ainda, por exemplo, quem seria o tal interventor dos sonhos desses golpistas.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Um horror e vexame ao mesmo tempo.