quinta-feira, 1 de junho de 2023

Maria Cristina Fernandes - Lula cruzou o mundo com taxímetro ligado

Valor Econômico

Problemas no Congresso saíram debaixo do tapete com perda de prestígio da política externa de Lula

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subia a rampa com Nicolás Maduro, o Congresso entrou em ponto de ebulição. A fervura derrotou o governo naquela tarde com a aprovação do marco temporal das terras indígenas por 283 votos. E entornou com a ameaça, na alvorada brasiliense desta quarta-feira, de que Lula não seria capaz de escolher nem mesmo a estrutura com a qual quer governar.

Reunidos até as 23h30 da terça na casa do presidente da Câmara, Arthur Lira, os líderes partidários - inclusive os governistas - propagavam sem pudor aquilo que já se ouvia cinco meses atrás, na posse, mas em tom de sussurro: tem PT demais na Esplanada, o Senado está mais bem representado que a Câmara, os ministérios não foram entregues aos partidos de porteira fechada e a dobradinha do Executivo com o Judiciário ameaça as prerrogativas dos parlamentares.

A política externa tirou as queixas dos sussurros para o céu aberto porque os parlamentares encontraram sócios para seus queixumes em fóruns, como a Fiesp, que recebeu, na terça-feira, uma inconformada- e enfática - embaixadora americana, Elizabeth Bagley, com a recepção dada a Maduro.

Que o governo seria minoritário no Congresso todo mundo já sabia, mas o papel internacional adquirido por Lula na campanha e na transição intimidava. Do tapete vermelho com o qual foi recebido por chefes de Estado europeus durante a campanha à fila de secretários de estado americanos desembarcados no Brasil para assegurar apoio à democracia, gesto que se tornou sinônimo de apoio ao presidente, tudo parecia conspirar para um Brasil na comissão de frente da diplomacia mundial.

Lula parece ter acreditado que o acordo da PEC da Transição, que garantiu a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara, lhe garantiria tranquilidade para este primeiro ano de governo em que colocaria o Brasil novamente no mapa. Enquanto rodava o mundo, porém, ficou claro que o jogo passou a funcionar com um taxímetro. E a cobrar por corrida.

A fatura ficou acumulada. Por mais que o país tivesse saído dividido da eleição, insurgir-se contra um presidente com tamanha projeção internacional era ir contra o Brasil. Quem haveria de? O incenso foi tanto que turvou a vista do presidente. Passou a confundir agressor e agredido na guerra da Ucrânia e, depois de se agigantar perante o mundo na defesa da democracia em seu país no 8 de janeiro, caiu no conto da “narrativa” para explicar como a ditadura venezuelana provocou a maior crise de refugiados da história da América do Sul.

Se Lula deixou a defesa do clima no segundo plano de sua política externa por que o Congresso haveria de colocá-la entre suas prioridades? Uma coisa é não receber os deputados do PL porque se está negociando acordos comerciais para o Brasil. Outra é deixar de fazê-lo porque se está passando pano para Maduro. É claro que não é por sua política externa que o governo é minoritário no Congresso, mas aquilo que poderia ser âncora agora é parte da tempestade.

Depois de cinco meses, Lula, pela primeira vez desde a posse, vai passar um mês sem cruzar as fronteiras, mas o taxímetro rodou e os problemas que enfrenta agora rivalizam com seu prestígio. As insatisfações da Câmara já chegaram ao escrete de ouro de seu governo, como a ministra da Saúde. Sem filiação partidária, Nísia Trindade, gestora de um orçamento de R$ 149 bilhões, foi alvo, ao longo do dia, de questionamentos do tipo, por que não mandam que ela venha até o Congresso arrumar votos para o governo?

A ofensiva levou Lira a procurar o presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Queria uma dobradinha para tomar de assalto a Saúde, mas o senador recuou. Já havia sido contemplado em abundância pelo governo. A cobiça sobre a Pasta a Saúde cresce à medida que o presidente da Câmara procura o que fazer quando deixar o cargo. Se é que se conformou, de fato, em deixá-lo. Nenhuma pressão, porém, é mais reveladora do jogo de Lira do que aquela que envolve suas manobras para fazer do líder do governo, José Guimarães (CE), o ministro das Relações Institucionais no lugar de Alexandre Padilha.

Ao receber parte das emendas decorrentes do acordo da PEC da Transição, o Executivo acabou por usar sua liberação lenta e gradual para ter uma relação nada segura com Lira. A execução é impositiva mas vai até 31 de dezembro. A tentativa de colocar Guimarães no Planalto é uma intervenção no taxímetro.

Seu partido voltou-se ontem contra outro ministro do escrete de ouro que, a exemplo de Nísia, não tem filiação partidária, Vinícius Carvalho, da Controladoria Geral da União. O Programa de Integridade por Mentoria e Assessoramento (Prisma) da CGU mal havia sido impresso no Diário Oficial e já começou a ser alvo de questionamentos. Órgão piloto deste programa, a Codevasf é presidido, desde o governo Bolsonaro, por Marcelo Moreira, aliado do líder do União, Elmar Nascimento (BA).

Perdido nesse xadrez, não restou ao Executivo alternativa senão recorrer ao Judiciário. O Supremo liberou para julgamento recurso de Lira contra denúncia de 2019. O processo tinha pedido de vista desde 2020, pelo ministro Dias Toffoli, e foi liberado na noite desta quarta-feira. Lira é réu em processo que investiga a origem de R$ 106 mil na roupa de um assessor em Congonhas. Caso gêmeo daquele que atingiu José Guimarães.

 

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