Valor Econômico
Problemas no Congresso saíram debaixo do
tapete com perda de prestígio da política externa de Lula
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva subia a rampa com Nicolás Maduro, o Congresso entrou em ponto de
ebulição. A fervura derrotou o governo naquela tarde com a aprovação do marco
temporal das terras indígenas por 283 votos. E entornou com a ameaça, na
alvorada brasiliense desta quarta-feira, de que Lula não seria capaz de
escolher nem mesmo a estrutura com a qual quer governar.
Reunidos até as 23h30 da terça na casa do presidente da Câmara, Arthur Lira, os líderes partidários - inclusive os governistas - propagavam sem pudor aquilo que já se ouvia cinco meses atrás, na posse, mas em tom de sussurro: tem PT demais na Esplanada, o Senado está mais bem representado que a Câmara, os ministérios não foram entregues aos partidos de porteira fechada e a dobradinha do Executivo com o Judiciário ameaça as prerrogativas dos parlamentares.
A política externa tirou as queixas dos
sussurros para o céu aberto porque os parlamentares encontraram sócios para
seus queixumes em fóruns, como a Fiesp, que recebeu, na terça-feira, uma
inconformada- e enfática - embaixadora americana, Elizabeth Bagley, com a
recepção dada a Maduro.
Que o governo seria minoritário no
Congresso todo mundo já sabia, mas o papel internacional adquirido por Lula na
campanha e na transição intimidava. Do tapete vermelho com o qual foi recebido
por chefes de Estado europeus durante a campanha à fila de secretários de
estado americanos desembarcados no Brasil para assegurar apoio à democracia,
gesto que se tornou sinônimo de apoio ao presidente, tudo parecia conspirar
para um Brasil na comissão de frente da diplomacia mundial.
Lula parece ter acreditado que o acordo da
PEC da Transição, que garantiu a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência
da Câmara, lhe garantiria tranquilidade para este primeiro ano de governo em
que colocaria o Brasil novamente no mapa. Enquanto rodava o mundo, porém, ficou
claro que o jogo passou a funcionar com um taxímetro. E a cobrar por corrida.
A fatura ficou acumulada. Por mais que o
país tivesse saído dividido da eleição, insurgir-se contra um presidente com
tamanha projeção internacional era ir contra o Brasil. Quem haveria de? O
incenso foi tanto que turvou a vista do presidente. Passou a confundir agressor
e agredido na guerra da Ucrânia e, depois de se agigantar perante o mundo na
defesa da democracia em seu país no 8 de janeiro, caiu no conto da “narrativa”
para explicar como a ditadura venezuelana provocou a maior crise de refugiados
da história da América do Sul.
Se Lula deixou a defesa do clima no segundo
plano de sua política externa por que o Congresso haveria de colocá-la entre
suas prioridades? Uma coisa é não receber os deputados do PL porque se está
negociando acordos comerciais para o Brasil. Outra é deixar de fazê-lo porque
se está passando pano para Maduro. É claro que não é por sua política externa que
o governo é minoritário no Congresso, mas aquilo que poderia ser âncora agora é
parte da tempestade.
Depois de cinco meses, Lula, pela primeira
vez desde a posse, vai passar um mês sem cruzar as fronteiras, mas o taxímetro
rodou e os problemas que enfrenta agora rivalizam com seu prestígio. As
insatisfações da Câmara já chegaram ao escrete de ouro de seu governo, como a
ministra da Saúde. Sem filiação partidária, Nísia Trindade, gestora de um
orçamento de R$ 149 bilhões, foi alvo, ao longo do dia, de questionamentos do
tipo, por que não mandam que ela venha até o Congresso arrumar votos para o
governo?
A ofensiva levou Lira a procurar o
presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Queria uma dobradinha
para tomar de assalto a Saúde, mas o senador recuou. Já havia sido contemplado
em abundância pelo governo. A cobiça sobre a Pasta a Saúde cresce à medida que
o presidente da Câmara procura o que fazer quando deixar o cargo. Se é que se
conformou, de fato, em deixá-lo. Nenhuma pressão, porém, é mais reveladora do
jogo de Lira do que aquela que envolve suas manobras para fazer do líder do
governo, José Guimarães (CE), o ministro das Relações Institucionais no lugar
de Alexandre Padilha.
Ao receber parte das emendas decorrentes do
acordo da PEC da Transição, o Executivo acabou por usar sua liberação lenta e
gradual para ter uma relação nada segura com Lira. A execução é impositiva mas
vai até 31 de dezembro. A tentativa de colocar Guimarães no Planalto é uma
intervenção no taxímetro.
Seu partido voltou-se ontem contra outro
ministro do escrete de ouro que, a exemplo de Nísia, não tem filiação
partidária, Vinícius Carvalho, da Controladoria Geral da União. O Programa de
Integridade por Mentoria e Assessoramento (Prisma) da CGU mal havia sido
impresso no Diário Oficial e já começou a ser alvo de questionamentos. Órgão
piloto deste programa, a Codevasf é presidido, desde o governo Bolsonaro, por
Marcelo Moreira, aliado do líder do União, Elmar Nascimento (BA).
Perdido nesse xadrez, não restou ao
Executivo alternativa senão recorrer ao Judiciário. O Supremo liberou para
julgamento recurso de Lira contra denúncia de 2019. O processo tinha pedido de
vista desde 2020, pelo ministro Dias Toffoli, e foi liberado na noite desta
quarta-feira. Lira é réu em processo que investiga a origem de R$ 106 mil na
roupa de um assessor em Congonhas. Caso gêmeo daquele que atingiu José
Guimarães.
Um comentário:
E tem o caso da rachadinha de Lira também.Ouvi dizer...
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