O Globo
Banco Central considera que o antibiótico
não debelou a infecção. Mas os números dizem o contrário
Há um potencial explosivo na tensão entre o
governo e o Banco Central. Se diante da rigidez do BC, o presidente Lula
propuser o fim da autonomia será um desastre para o próprio governo, porque
haverá uma deterioração rápida das expectativas e uma piora na economia. O
Senado que se colocava como um biombo para conter qualquer retrocesso nessa
área, não tem mais tanta certeza. O ministro Fernando Haddad, que sempre evitou
críticas à política monetária, teve que sair dessa posição, até porque o BC
está errando mesmo.
Mas afinal o que quer o Banco Central? Ele tem o diagnóstico de que o antibiótico ainda não debelou a infecção. Baseado em quê não se sabe, porque os números não socorrem o Banco Central. Houve uma deflação de vários preços, tanto que o índice que mede a variação dos preços por atacado e de matérias-primas (IGP-M) mostra a maior queda da história, -6,72%. Há também uma desinflação em curso em outros bens e serviços. Que há menos risco no cenário brasileiro pode se ver, por exemplo, no CDS (Credit Default Swap). Estava em 265 pontos em 20 de março, caiu para 184 no dia anterior à reunião do Copom e na sexta estava em 177. Isso quer dizer que o seguro para empréstimo ao Brasil caiu mais de 80 pontos em três meses, ou seja, a percepção de risco melhorou.
O Banco Central olha para o mercado de
trabalho e acha que o emprego está alto. Dito assim parece uma coisa macabra,
mas o fato é que na equação que economistas fazem, o desemprego muito baixo é
sinal de perigo de alta de inflação. Na ata da reunião de maio, o Copom disse o
seguinte: “O mercado de trabalho, que surpreendeu positivamente ao longo de
2022, tem apresentado resiliência, com aumento líquido dos postos de trabalho e
relativa estabilidade na taxa de desemprego”. O raciocínio é: se o emprego está
alto, haverá mais renda e isso pressionará a demanda que elevará a inflação.
De novo, o diagnóstico do BC pode estar
errado. Há dúvidas sobre se o mercado de trabalho está mesmo bom e se há
qualquer crescimento da demanda. Os números de atividade econômica, de consumo,
produção e investimento tendem a cair. O PIB do primeiro trimestre foi um ponto
fora da curva. Dados fracos podem empurrar mais o BC para o córner no qual ele
se colocou.
Normalmente é difícil conciliar as duas
lógicas, a econômica e a política, mas quando o Banco Central nega as óbvias
melhoras nos indicadores, nos cenários, nos preços, no balanço de riscos, nas
análises do próprio mercado, fica impossível essa conciliação. Um dado ajuda a
ver o descolamento entre o BC e a realidade. Na véspera da reunião do Copom,
mais de 90% do mercado financeiro apostava que os juros cairiam em agosto.
Depois da reunião, esse número despencou. Numa pesquisa da XP, 48% disseram que
não haverá mudança de juros em agosto, 41% avaliaram que muda, mas apenas 0,25
ponto percentual. Só 11% previram corte de meio ponto. Haverá apenas quatro
reuniões até o fim do ano e os juros futuros apontavam para um ponto e meio de
corte. O movimento de mudança das projeções mostra que a autoridade monetária
está formando expectativas negativas.
E é nesse ponto perigoso em que o país
está. Crítica de políticos e de empresários aos juros altos é normal, o
complicado é quando o BC perde a razão. Pior é se o governo sair das críticas
verbais para uma proposta de mudança institucional. Isso será um desastre.
Até a próxima reunião haverá tempo para o
BC mudar a rota. Nessa semana sai a ata e ela será escrutinada atrás de um
sinal de abertura. Na quinta, o Conselho Monetário Nacional vai discutir a meta
de inflação para os próximos anos. O BC tinha uma proposta de manter a meta,
mas sair do ano calendário para a meta contínua. Vamos ver o que Roberto Campos
Neto defenderá na reunião com o ministro Fernando Haddad e a ministra Simone
Tebet.
O presidente Lula assumiu depois do mais
perigoso governo que o país teve desde a redemocratização. Nesta semana, o
ex-presidente Bolsonaro deve ficar inelegível. Para afastar as sombras que
ainda pairam sobre o país será fundamental ter bom desempenho econômico. Nem
tudo depende da taxa de juros, mas se ela permanecer desnecessariamente alta é
uma trava e tanto. Resolver isso com intervenção será a pior das emendas.
Míriam Leitão entende das coisas.
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