Folha de S. Paulo
Novo quadro populacional dá pistas sobre
caminhos da esquerda e direita no país
O ex do Brasil atrapalhou
o Censo,
mas os números não guardaram mágoa e na sua cesta informativa, trouxeram até
boas novas para o seu algoz.
Uma notícia é que o país
envelheceu. No Censo anterior, os brasileiros tinham filhos
suficientes para replicar o volume populacional. Agora o quadro é outro. Foi-se
a janela demográfica —muitos jovens, poucos velhos. Estamos na vereda de Europa, Japão e
outras partes onde nasce cada vez menos gente, desequilibrando as gerações, com
muitos avôs e poucos netos.
O descenso da
fecundidade começou aqui nos anos 60 e foi rapidíssimo. Meio
século depois, a taxa de crescimento médio anual é de 0,52%. Isto é, o país
conta agora com metade dos brasileirinhos necessários para substituir os
brasileirões. As mulheres em idade reprodutiva estão tendo poucos filhos ou
nenhum. O país da juventude agrisalhou.
E a política com isso? Se nas eleições futuras a distribuição geracional do voto de 2022 se mantiver, a direita pode comemorar. Na última eleição, a juventude apertou muito o 13, e os cabeças brancas foram mais de 22. No médio e sobretudo no longo prazo, a diminuição do número de jovens pode estreitar o eleitorado de esquerda.
A mudança na pirâmide etária também garante
assunto para opor direita e esquerda nos próximos anos. O coquetel de menos
mãos juvenis para o trabalho com mais bocas de aposentados impacta em cheio
a Previdência.
O sistema de
saúde, de seu lado, será pressionado pelas doenças que envelhecer
acarreta.
Tudo com custo. O lustroso calcanhar de
Aquiles do Estado de bem-estar social é o financiamento. Quem vai
pagar a conta? Capaz da esquerda defender mais taxação. O outro
lado deve entoar a ladainha liberal do governo enxuto, argumentando que as
políticas sociais são economicamente insustentáveis. O Censo não é mapa astral,
mas prediz esses dois litígios políticos, em torno de assistência médica e de
aposentadoria.
A questão de gênero igualmente promete,
dado o resultado censitário. O mulheril ultrapassou o contingente masculino em
quase quatro milhões. A diferença existia, mas saltou um quarto desde 2010.
Como elas votaram mais no presidente
atual do que no ex, seguida a tendência, é notícia boa para a
esquerda.
Já na distribuição regional da população, o
quadro é róseo para a direita. Segue a concentração no Sudeste, líder na arte
de espremer gente, residência de 41,8% dos brasileiros. Em São Paulo,
houve muito voto para o ex, como para o carioca que
virou governador dos paulistas.
Outra sede do fã-clube, o Centro-Oeste,
aumentou seu povo, com destaque para Sinop, a "capital do
Nortão", que cresceu 4,69%. Roraima e Santa
Catarina cresceram menos, mas acima da média nacional. Nestes
estados, o ex ganhou de lavada, com quase 70% dos votos.
O Nordeste, onde o PT estourou a boca do
balão, tem apenas cerca de um quarto dos nacionais (26,9%) e foi a região na
qual a natalidade, antes alta, mais caiu, bem acima da média do país.
Ainda falta muito por saber. Estão por
divulgar dados cruciais para entender as consequências políticas do Censo, os
relativos ao formato das famílias e à religião dos brasileiros. Essas
informações sinalizarão melhor para onde a balança política pode pender. O que
está público até aqui aponta um país mudando. E a direção da mudança leva mais
água para o moinho da oposição do que para o do governo.
*Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
Ave Maria!
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