Folha de S. Paulo
O sucesso legislativo inesperado de novos
arranjos tributários
"Até uma ordem de monges trapistas fez
lobby a favor de tratamento tributário especial". Com isso Jeffrey
Birnbaum e Alan Murray descrevem o estado do regime tributário americano
pré-1986 em "Showdown in Gucci Gulch: lawmakers, lobbyists, and the unlikely triumph
of tax reform" (Confronto na Gucci Gulch: parlamentares,
lobistas e o triunfo inesperado da reforma tributária). Os autores descrevem o
labirinto da mudança que ninguém esperava que fosse aprovada.
Foi a reforma histórica do imposto de renda nos EUA, aprovada no governo Reagan "contra tudo e contra todos". Os lobistas que se reuniam cotidianamente na "Gucci Gulch" —a sala no Congresso onde se instalavam com suas gravatas Gucci— eram totalmente céticos. Foram todos pegos de surpresa. A reforma eliminou milhares de isenções, regimes especiais e deduções que se acumulavam desde 1913, quando o imposto foi criado.
O contexto era de governo dividido: a
Câmara dos Deputados era da oposição democrata. Seu presidente, Tip O’Neill,
famoso pelo "All politics is local" (toda política é local), reagiu à
proposta do governo: "Vocês sabem que esse tema [tributário] é
nosso". Os democratas dominavam essa agenda até que Reagan passou a
defender menos impostos para todos os americanos, especialmente o "little
guy". Propôs a eliminação radical das isenções e deduções, e ampliação da
base. E também a redução do número de alíquotas (de cinco para duas) e um corte
da mais alta de 50% para 28%. Uma revolução que teve impacto na agenda no plano
internacional. As ideias fizeram a diferença (veja como aqui).
A despeito das diferenças marcadas com a
reforma brasileira, há algumas semelhanças. A primeira é que o trabalho é fundamentalmente
congressual. O presidencialismo nos dois países é radicalmente distinto: nos
EUA o Executivo nem sequer pode apresentar projetos de lei. Mas Reagan teve
papel mobilizador crucial. A ausência de protagonismo do Executivo aqui não tem
precedente em reformas constitucionais, padrão inaugurado com a da Previdência
sob Bolsonaro.
O nível de consenso suprapartidário sobre a
necessidade da reforma também é alto nos dois casos. E isso ocorreu nos EUA
quando as disfuncionalidades sistêmicas se tornaram aberrantes (embora focassem
em taxação de renda versus consumo). Quando o apoio à reforma cresceu, "os
democratas passaram a querer evitar a culpa pela derrota, e a base republicana
a dobrar a aposta na reivindicação do crédito", segundo Birnbaum e Murray.
O papel das lideranças congressuais foi
importante. O líder democrata na Câmara, Dan Rostenkowski, leva crédito por
conseguir o apoio do partido à reforma, que passou por unanimidade na comissão
chave. É irônico que, dez anos depois, ele tenha ido para a cadeia por
corrupção.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Pois é.
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