O Estado de S. Paulo
Quando o governo promete o equilíbrio fiscal ou uma reforma tributária que não aumente impostos e tributos, deveríamos considerar tal promessa com especial desconfiança
O novo governo, desde o seu início, mostrou sua inequívoca tendência gastadora, trazendo à tona todas as velhas ideias petistas acerca do aumento do Estado e de suas funções, mostrando uma clara desconfiança em relação à economia de mercado. Sua primeira Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi certeiramente denominada de PEC da Gastança, à qual se seguiram várias iniciativas, entre as quais o projeto hegemônico petista de aparelhamento do Estado, cuja medida mais recente foi a nomeação do presidente do IBGE; a tentativa malsucedida, felizmente, de desrespeito à Lei do Saneamento, que teria implicado o fortalecimento de empresas públicas estaduais ineficientes; e a suspensão do processo de privatizações. O leque seria grande, tendo todas em comum o mesmo pendor para o fortalecimento do Estado em quaisquer circunstâncias, não estando minimamente propenso a avaliar o mérito de funções e projetos governamentais. Em tal ritmo, ainda segundo essa ótica, só mais gastos se tornam necessários, o que, obviamente, se traduz em mais impostos.
Logo, quando o governo promete o equilíbrio
fiscal ou uma reforma tributária que não aumente impostos e tributos,
deveríamos considerar tal promessa com especial desconfiança. Toda cautela é
pouca. De fato, como podemos acreditar em equilíbrio fiscal, se o governo só
pensa em aumentar os gastos? Ainda recentemente, o presidente Lula deu mais
subsídios à venda de novos automóveis, como se o financiamento de montadoras
fosse uma prioridade nacional. Comprem automóveis e não pensem na educação
pública de baixa qualidade e num sistema precário de saúde! E ainda temos a
iniciativa, por agora suspensa, de financiar a compra da linha branca de
eletrodomésticos. De onde virão os recursos para financiar tais iniciativas
irresponsáveis? Só há uma resposta possível: elevação de impostos!
Portanto, é necessária uma boa dose de
credulidade para acreditar que a atual reforma tributária será neutra do ponto
de vista da arrecadação. Aliás, os números não são sequer apresentados, em
particular a alíquota do novo imposto, para além das alíquotas do imposto
seletivo que incidirá sobre certos produtos e atividades econômicas. Tudo,
segundo os artífices da reforma, será apresentado em futuras leis
complementares. Até lá, devemos crer na palavra de gastadores contumazes!
Enquanto isso, os setores mais bem
organizados politicamente conseguem manter e/ou introduzir emendas na PEC da
reforma assegurando seus interesses particulares, sem que nenhum cálculo seja
feito no que diz respeito à sua incidência geral. Estes são, na verdade, os
incrédulos que querem tudo colocar na Constituição, visto que não acreditam no
governo. Se acreditassem, poderiam tudo deixar para regulamentação posterior em
leis complementares. Ora, os crédulos são precisamente os que acreditam que o
governo tenha a intenção de não aumentar os impostos neste cenário.
Uma forma particularmente ardilosa de
disfarçar um eventual aumento de imposto é a do imposto seletivo, de viés
claramente arrecadatório. Na proposta que segue para o Senado consta,
inclusive, que deveria financiar a Zona Franca de Manaus. Por que não deixar
tal debate para o momento de apresentação das leis complementares? Entretanto,
o mais interessante é que tal imposto é uma espécie de tradução de um imposto
sobre o “pecado”. São bens pecaminosos que deveriam ser especialmente
tributados. O indivíduo deveria pagar por ter “pecado” ao ingerir bebidas
alcoólicas, ao fumar, comer alimentos com alto grau de gordura, sal e açúcar.
Seriam os “pecados contra a saúde”, como se as pessoas não pudessem escolher
livremente sobre o que é melhor para si. Agora, haveria uma outra novidade, a
do “pecado contra a natureza”, que incidiria sobre agroquímicos ou empresas de
transporte que utilizem combustíveis fósseis e de mineração. A lista seria
imensa e indefinida, tendo como único árbitro o governo, que diria o que é
melhor para cada um. Se vocês pecarem, o Estado os punirá!
E isso é só o começo, pois o momento se
aproxima da nova proposta da segunda etapa da reforma tributária, a do Imposto
de Renda em suas várias modalidades. Aqui, pelo menos, o disfarce é menor,
visto que a intenção arrecadatória é nítida. Já está sendo introduzida, por
exemplo, pelas atuais autoridades a discussão a respeito do aumento da
tributação sobre heranças e doações, como se isso fosse a coisa mais natural do
mundo. Uma espécie de atraso de nossa legislação, na verdade, uma forma apenas de
financiamento do Estado. Os que nada produzem querem gastar o fruto do trabalho
alheio. Ora, a herança e os bens das pessoas em geral são o fruto de seu
próprio trabalho, resultado produtivo de toda uma vida, para o qual impostos e
tributos foram sempre pagos. É mais do que legítimo que sejam transmitidos aos
seus, sem que o Estado tenha nada que ver com isso. Ou será que deveríamos mais
propriamente denominar tal imposto de tributo à morte? Será que até para morrer
as pessoas deveriam pagar impostos?
*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS
Tudo é relativo...
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