Esquerda e direita celebram os resultados, mas socialistas largam na frente na disputa pelo apoio de nacionalistas e nanicos
Por Alessandro Soler / O Globo
A festa de ontem à noite em frente às sedes
dos dois principais partidos que disputam o governo espanhol não durou muito.
Hoje era dia de madrugar e dar início a negociações que serão duríssimas para
ambos os blocos — mas que, no cenário atual, têm mais chances de ser
bem-sucedidas para os socialistas.
É verdade que a coalizão de esquerda que
governa atualmente teve a soma das suas cadeiras no Congresso reduzida de 158
para 153, bem longe, portanto, das 176 necessárias para continuar no poder. Mas
os 169 assentos que conquistaram, juntos, o direitista Partido Popular e a
extrema direita do Vox são praticamente tudo o que o bloco conservador tem
garantido. Enquanto isso, a colcha de retalhos de partidos nacionalistas de
Catalunha, País Basco e Galícia tende a apoiar o bloco de esquerda. O problema
é o preço que cobrarão para isso.
— Uma demanda de sempre dos independentistas catalães, por exemplo, é a de que o governo permita a realização de um plebiscito de autodeterminação. Essa exigência poderá ser posta sobre a mesa, como chegou a estar em 2019. Mas (o plebiscito) hoje está fora de questão para o PSOE — disse o analista político Paco Camas.
Do lado dos bascos, novas exceções fiscais
para uma região que já desfruta de um regime de impostos especial — e invejado
por outras zonas do país — poderiam ser aventadas. Canários, galegos: todos
levarão demandas próprias de suas regiões, tornando o toma lá dá cá dos acordos
um quebra-cabeças complicado para o atual governo.
Pelo lado da direita, a negociação dos
apoios não será menos difícil. Partidos conservadores, como a Coalizão Canária,
que historicamente deram seus votos ao PP, sugeriram ao longo da campanha que
não o fariam desta vez se a extrema direita estivesse presente na coalizão. Os
únicos que não estabeleceram uma “linha sanitária” em torno do Vox foram os
nanicos da União do Povo Navarro (UPN), que conquistou uma única cadeira. Com
isso, 170 assentos são o teto que, no cenário atual, o bloco de direita poderia
alcançar.
Ao longo dos próximos dias, o rei Felipe VI
presumivelmente terá reuniões com o vencedor, Alberto Núñez Feijóo, e com
Sánchez. Escutará o resultado das negociações que serão levadas a cabo pelos
dois blocos e encarregará a um deles a tarefa de formar um governo. Feijóo,
mesmo sabendo que atualmente não passa de 170 assentos, já disse que usará a
prerrogativa de ter terminado em primeiro lugar para tentar governar. Mas, se
Sánchez chegar à audiência oficial com os 176 garantidos, poderá ser o
escolhido para enfrentar as chamadas sessões de investidura, quando todos os
deputados votam em plenário para formar o governo.
Qualquer que seja o candidato dessas
sessões, se não houver uma maioria absoluta é possível tentar uma simples.
Nesta, mais sins do que nãos são suficientes para a constituição de um
gabinete. Para que isto ocorra, basta que um ou mais partidos se abstenham,
“rebaixando” o total de sins e nãos em disputa. Um desfecho assim, hoje, não
parece provável, mas um dos fiéis da balança dos acordos, o partido de direita
independentista catalão Junts Per Catalunya, poderia lançar mão de uma
abstenção para aumentar seu passe nas negociações com os partidos.
— O Junts conseguiu sete cadeiras. Eles
sabem que são fundamentais para a governabilidade e usarão isso para conseguir
vantagens — afirmou a socióloga Cristina Monge, professora da Universidade de
Zaragoza.
Funcionaria assim: se o bloco da esquerda
não chegar aos 170 assentos que, em teoria, a direita já tem (169 de PP e Vox
mais 1 da UPN), e o Junts se abstiver, a direita leva. O mesmo ocorreria ao
contrário. Caso se repitam os apoios de 2019, a esquerda já soma cerca de 172
votos. Uma abstenção do Junts, caso Pedro Sánchez vá para os debates de
investidura, garante a continuidade do governo. É considerável o poder que tem
na mão, neste momento, a legenda secessionista.
A líder do partido já anunciou: “não
tornaremos Pedro Sánchez presidente a troco de nada”. Mas analistas ouvidos
pela TV pública espanhola dizem que há um limite para essa pressão. Seria muito
difícil para o Junts explicar aos seus eleitores por que deu seus votos à
direita do PP e à extrema direita do Vox, tendo este último deixado claro, em
repetidas ocasiões, que tonaria ilegais todos os partidos independentistas —
Junts entre eles — caso chegasse ao poder.
O imbróglio, portanto, é de difícil
resolução. E poderia terminar numa repetição eleitoral. Esta possibilidade é
grande. Um cenário que poderia beneficiar Pedro Sánchez.
— Ele sai fortalecido, em alta. Todas as
pesquisas davam como certa uma derrota acachapante. Não veio, ele salvou a
própria pele e mantém a mítica de que é um resiliente, uma fênix política —
comentou à TVE a analista Raquel Ejerique. — É uma vantagem e tanto para
começar uma nova disputa.
Pois é.
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