segunda-feira, 24 de julho de 2023

Depois da festa na Espanha, a ressaca das negociações

Esquerda e direita celebram os resultados, mas socialistas largam na frente na disputa pelo apoio de nacionalistas e nanicos

Por Alessandro Soler / O Globo

A festa de ontem à noite em frente às sedes dos dois principais partidos que disputam o governo espanhol não durou muito. Hoje era dia de madrugar e dar início a negociações que serão duríssimas para ambos os blocos — mas que, no cenário atual, têm mais chances de ser bem-sucedidas para os socialistas.

É verdade que a coalizão de esquerda que governa atualmente teve a soma das suas cadeiras no Congresso reduzida de 158 para 153, bem longe, portanto, das 176 necessárias para continuar no poder. Mas os 169 assentos que conquistaram, juntos, o direitista Partido Popular e a extrema direita do Vox são praticamente tudo o que o bloco conservador tem garantido. Enquanto isso, a colcha de retalhos de partidos nacionalistas de Catalunha, País Basco e Galícia tende a apoiar o bloco de esquerda. O problema é o preço que cobrarão para isso.

— Uma demanda de sempre dos independentistas catalães, por exemplo, é a de que o governo permita a realização de um plebiscito de autodeterminação. Essa exigência poderá ser posta sobre a mesa, como chegou a estar em 2019. Mas (o plebiscito) hoje está fora de questão para o PSOE — disse o analista político Paco Camas.

Do lado dos bascos, novas exceções fiscais para uma região que já desfruta de um regime de impostos especial — e invejado por outras zonas do país — poderiam ser aventadas. Canários, galegos: todos levarão demandas próprias de suas regiões, tornando o toma lá dá cá dos acordos um quebra-cabeças complicado para o atual governo.

Pelo lado da direita, a negociação dos apoios não será menos difícil. Partidos conservadores, como a Coalizão Canária, que historicamente deram seus votos ao PP, sugeriram ao longo da campanha que não o fariam desta vez se a extrema direita estivesse presente na coalizão. Os únicos que não estabeleceram uma “linha sanitária” em torno do Vox foram os nanicos da União do Povo Navarro (UPN), que conquistou uma única cadeira. Com isso, 170 assentos são o teto que, no cenário atual, o bloco de direita poderia alcançar.

Ao longo dos próximos dias, o rei Felipe VI presumivelmente terá reuniões com o vencedor, Alberto Núñez Feijóo, e com Sánchez. Escutará o resultado das negociações que serão levadas a cabo pelos dois blocos e encarregará a um deles a tarefa de formar um governo. Feijóo, mesmo sabendo que atualmente não passa de 170 assentos, já disse que usará a prerrogativa de ter terminado em primeiro lugar para tentar governar. Mas, se Sánchez chegar à audiência oficial com os 176 garantidos, poderá ser o escolhido para enfrentar as chamadas sessões de investidura, quando todos os deputados votam em plenário para formar o governo.

Qualquer que seja o candidato dessas sessões, se não houver uma maioria absoluta é possível tentar uma simples. Nesta, mais sins do que nãos são suficientes para a constituição de um gabinete. Para que isto ocorra, basta que um ou mais partidos se abstenham, “rebaixando” o total de sins e nãos em disputa. Um desfecho assim, hoje, não parece provável, mas um dos fiéis da balança dos acordos, o partido de direita independentista catalão Junts Per Catalunya, poderia lançar mão de uma abstenção para aumentar seu passe nas negociações com os partidos.

— O Junts conseguiu sete cadeiras. Eles sabem que são fundamentais para a governabilidade e usarão isso para conseguir vantagens — afirmou a socióloga Cristina Monge, professora da Universidade de Zaragoza.

Funcionaria assim: se o bloco da esquerda não chegar aos 170 assentos que, em teoria, a direita já tem (169 de PP e Vox mais 1 da UPN), e o Junts se abstiver, a direita leva. O mesmo ocorreria ao contrário. Caso se repitam os apoios de 2019, a esquerda já soma cerca de 172 votos. Uma abstenção do Junts, caso Pedro Sánchez vá para os debates de investidura, garante a continuidade do governo. É considerável o poder que tem na mão, neste momento, a legenda secessionista.

 

A líder do partido já anunciou: “não tornaremos Pedro Sánchez presidente a troco de nada”. Mas analistas ouvidos pela TV pública espanhola dizem que há um limite para essa pressão. Seria muito difícil para o Junts explicar aos seus eleitores por que deu seus votos à direita do PP e à extrema direita do Vox, tendo este último deixado claro, em repetidas ocasiões, que tonaria ilegais todos os partidos independentistas — Junts entre eles — caso chegasse ao poder.

O imbróglio, portanto, é de difícil resolução. E poderia terminar numa repetição eleitoral. Esta possibilidade é grande. Um cenário que poderia beneficiar Pedro Sánchez.

— Ele sai fortalecido, em alta. Todas as pesquisas davam como certa uma derrota acachapante. Não veio, ele salvou a própria pele e mantém a mítica de que é um resiliente, uma fênix política — comentou à TVE a analista Raquel Ejerique. — É uma vantagem e tanto para começar uma nova disputa.

 

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