segunda-feira, 24 de julho de 2023

Sergio Lamucci - O superávit comercial e o trunfo das contas externas

Valor Econômico

O fortalecimento das contas externas ajuda a manter o câmbio mais valorizado e faz os investidores estrangeiros verem o Brasil de modo mais positivo

O saldo da balança comercial brasileira tem crescido com força, contribuindo para reduzir o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior. No primeiro semestre, as exportações superaram as importações em US$ 45 bilhões, um superávit 31,5% maior que o da primeira metade de 2022. Com isso, está em curso um fortalecimento adicional das contas externas do país, num momento em que o cenário global é complexo, com juros elevados nos países desenvolvidos e atividade econômica global sem dinamismo.

O superávit tem melhorado significativamente desde 2020, como nota a A.C. Pastore & Associados, a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Em 2019, o saldo ficou em US$ 35 bilhões; nos 12 meses até junho deste ano, atingiu US$ 72 bilhões. As exportações de algumas commodities têm garantido os superávits robustos - “quase 40% do valor total embarcado desde 2020 se concentra em três produtos: soja, petróleo e minério de ferro”, aponta a A.C. Pastore.

O grande destaque tem sido a soja. No primeiro semestre, as exportações do produto em grão responderam por pouco mais de 20% do total vendido pelo Brasil no exterior, alcançando US$ 33,4 bilhões, 9,4% superior ao do mesmo período do ano passado, um aumento puxado pelo aumento dos volumes exportados, de 18,4% - os preços recuaram 16,7% na primeira metade do ano. A China é o grande comprador.

Outro destaque são as exportações de petróleo. A A.C. Pastore observa que elas “cresceram sensivelmente em 2021 e 2022 em virtude do aumento da produção e dos efeitos da pandemia e do embargo do Ocidente ao petróleo russo [devido à invasão da Ucrânia], tanto que a União Europeia se tornou o segundo maior importador” da commodity brasileira - a China é o primeiro.

Neste ano, o volume exportado pelo Brasil tem crescido, enquanto os preços têm recuado. No primeiro semestre, as quantidades embarcadas subiram 8,5% em relação ao mesmo período de 2022, ao passo que os preços das vendas ao exterior caíram 6,5%. Como de costume, as vendas de commodities comandam o crescimento do volume exportado. Esses produtos representaram 69% das exportações no primeiro semestre de 2023, dizem os analistas do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). No primeiro semestre de 2007, esse percentual era de 45%, aponta relatório do Icomex.

Nesses 16 anos, o volume exportado de commodities cresceu 102,3%, enquanto o dos outros produtos recuou 6,3%. Para os analistas do FGV Ibre, a conclusão é que “o comportamento cíclico dos preços das commodities, com altas e baixas, “não limitou a trajetória de ascensão no volume exportado da agropecuária, em especial”, e nem da extrativa ao longo dos últimos anos. “Esse resultado indica que o avanço da agropecuária brasileira no comércio mundial é um fato estrutural e reflete a produtividade do setor”, diz o relatório, ponderando que “é importante estimular a diversificação não só da agropecuária, mas de produtos de outros setores”.

A concentração das exportações brasileiras em poucos bens fica clara também nos números do primeiro semestre. O Icomex mostra que seis produtos explicaram quase metade das vendas externas no período: soja em grão respondeu por 20,2%; petróleo bruto, por 11,3%; minério de ferro, por 8,2%; farelo de soja, por 3,7%; óleos combustíveis, por 3,2%; e açúcar e melaços, por outros 3,2%. Desconcentrar a pauta de exportações com mais produtos de outros segmentos é de fato relevante, o que passa por medidas como a reforma tributária, avanços da infraestrutura, melhora do ambiente de negócios e redução sustentada do custo de capital no país, iniciativas que beneficiem todos os segmentos da economia, e não um punhado de escolhidos.

Do ponto de vista das contas externas, o salto nos superávits comerciais tem fortalecido a posição do país, que já era tranquila. O Brasil tem há anos reservas internacionais elevadas, que subiram mais US$ 21 bilhões neste ano - estão em US$ 345,8 bilhões. Além disso, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos cobre com folga o déficit em conta corrente, ainda que tenha sido um pouco mais fraco nos cinco primeiros meses de 2023.

A A.C. Pastore nota que o déficit da conta corrente está em queda desde o quarto trimestre de 2022, refletindo o resultado favorável da balança comercial. No acumulado em 12 meses, o rombo encolheu de US$ 61,4 bilhões em setembro do ano passado para US$ 48,5 bilhões em maio deste ano (o último dado disponível). Nas projeções da consultoria, o rombo na corrente deve ficar em US$ 32 bilhões em 2023, o equivalente a 1,5% do PIB. Em 2022, foi de US$ 57 bilhões, ou 3% do PIB. Nas estimativas da A.C. Pastore, a balança comercial deve atingir US$ 85 bilhões no critério da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Já pelos números do Banco Central (BC), o saldo deve ser de US$ 67 bilhões - a instituição considera em seus cálculos importações de pequeno valor, investimento em criptomoedas e importações de plataformas de petróleo pelo Repetro, o que diminui o superávit comercial levado em conta nas estatísticas das contas externas. O Itaú Unibanco, que trabalha com um crescimento do PIB de 2,3% neste ano (superior ao da A.C. Pastore, de 1,8%), vê um saldo comercial pelo critério da Secex de US$ 70 bilhões e um déficit em conta corrente de 1,7% do PIB. Com uma expansão mais forte da economia, as importações crescem mais, reduzindo o saldo.

Esse fortalecimento das contas externas contribui para um câmbio mais valorizado, que tem se mantido abaixo de R$ 5 - na sexta-feira, o dólar fechou a R$ 4,78. Com um déficit em conta corrente menor, reservas robustas e um fluxo expressivo de investimento direto, muitos investidores estrangeiros veem o Brasil de modo mais positivo, ainda que a situação das contas públicas esteja longe de ser resolvida, mesmo com a expectativa de aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso. A economista-chefe da A.C. Pastore, Paula Magalhães, avalia que as contas externas do país dão mais tranquilidade aos estrangeiros quando analisam o Brasil, especialmente comparado a outros emergentes. “É um problema a menos, e não parece que haverá problema nessa área tão cedo.”

 

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