Por Janaína Figueiredo / O Globo
Em entrevista ao GLOBO, professor de
Harvard Steven Levitsky analisa eleições espanholas, ataques à democracia em
Israel e cenário nos EUA e América Latina
O resultado das eleições na
Espanha instalou um debate sobre o poder da extrema direita no
mundo e sua real capacidade de continuar crescendo. No país Ibérico, o radical
Vox teve pouco mais de três milhões de votos, conquistando 33 cadeiras, 19 a
menos do que nas eleições de 2019. Na visão de Steven Levitsky, coautor de
“Como as democracias morrem” e professor da Universidade Harvard, a extrema
direita está longe de ser dominante, mas está vibrante e tem a capacidade de
influenciar a agenda e os sistemas políticos.
— Não podemos falar numa onda de extrema
direita, mas podemos dizer que hoje ela está mais forte do que há uma geração —
disse Levistky em entrevista ao GLOBO.
O professor de Harvard está especialmente preocupado pela situação política nos EUA, onde acredita que o ex-presidente Donald Trump tem chances de voltar ao poder em 2024, Israel e Índia. Na América Latina, acrescentou, "as pessoas estão zangadas com o status quo”, e isso se expressa, por exemplo, com crescimento do pinochetismo no Chile.
Os principais trechos seguem abaixo:
Nas eleições espanholas, a extrema direita,
representada pelo partido Vox, não teve o desempenho esperado. Quando falamos
sobre extrema direita globalmente, é possível ver uma tendência?
Cada eleição, em cada país, tem uma
dinâmica diferente. Cada candidato é diferente, existem questões domésticas, e
por isso não podemos nos surpreender quando alguns candidatos de extrema
direita vão bem, e outros não tanto. Mas, sim, vemos algumas tendências. Nos
países mais desenvolvidos, na Europa Ocidental e nos Estados
Unidos, o principal combustível para o crescimento e fortalecimento
da extrema direita é o impacto da imigração. No caso da Espanha, há 25
anos o Vox não existia e a imigração explica, em parte, seu crescimento. No
mundo, a extrema direita não é maioria, ela pode ter 15% ou 30% de apoio, mas
está vibrante. Não podemos falar numa onda de extrema direita, mas podemos
dizer que hoje ela está mais forte do que há uma geração.
Mas não consegue ser maioria…
Não é uma maioria, não é dominante, com
exceção dos Estados Unidos, mas influencia a agenda política em países como
Espanha, França, Itália, propondo e conseguindo aprovar iniciativas contra a
imigração, entre outras. Mesmo com 15% dos votos, a extrema direita tem
influencia em todo o sistema político.
Na América Latina a imigração também é
combustível para a extrema direita?
Não, na América Latina temos outras causas.
Eu diria que o principal combustível é o aumento da violência, o crime. Este
fator sempre leva a classe média a votar pela extrema direita. Há outros
fatores, como a influência dos evangélicos, também a imigração, sobretudo de
venezuelanos, mas a violência é o fator mais importante.
No Chile, o pinochetismo está ressurgindo e
a violência, de fato, está relacionada a esse fenômeno nacional…
Na América Latina, em geral, as pessoas
estão zangadas com o status quo. Estão insatisfeitas com o sistema político
tradicional, e expressam essa insatisfação de diferentes maneiras. O
pinochetismo é parte disso, é a expressão de um sentimento anti status quo. Com
a exceção parcial do Uruguai, e por razões que não entendemos profundamente, os
latino-americanos estão rejeitando o status quo. No Chile, tragicamente, isso
se expressa com a nostalgia pelo pinochetismo.
Na Argentina,
o candidato presidencial de extrema direita, Javier Milei, está derretendo nas
pesquisas…
Sim, mas, novamente, a extrema direita tem
impacto no sistema político. A pré-candidata Patricia Bullrich [da aliança
opositora Juntos pela Mudança, integrada pelo ex-presidente Mauricio Macri], é
um claro exemplo da direitização da política argentina. Se ela vencer as
primárias [do dia 13 de agosto], representará uma opção de direita mais radical
do que Macri ou Larreta [prefeito de Buenos Aires, com quem Bullrich vai
disputar as primárias].
Como o senhor vê a extrema direita no
Brasil?
Bom, Bolsonaro parece estar perdendo força,
diferentemente de Trump. Os conservadores do centrão estão influenciando a
agenda política através do Congresso, e Lula, que não tem maioria, teve de
negociar. Lembro quando, em seu primeiro governo, Lula disse que para governar
o Brasil até mesmo Jesus Cristo teria de negociar com Judas, e ele fez isso e
está fazendo isso. Os sinais que vejo não são muito positivos.
Nos EUA, quais são as chances de o
trumpismo voltar ao poder?
Nos EUA, a extrema direita de Trump tem
vantagens únicas. Temos um país bipartidário, algo que não vemos na Europa. A natureza
do sistema político americano favorece os republicanos, que têm mais força do
que os democratas no interior do país, e podem ganhar uma eleição sem ter a
maior quantidade de votos, como já vimos [pelo peso dos colégios eleitorais nos
quais são mais fortes]. Isso não acontece na Espanha, Itália, Suécia ou França.
Nos EUA, Trump nunca teve um apoio majoritário, mas nunca precisou dele para
chegar ao poder. O presidente Joe Biden [que concorrerá à reeleição] tem dois
problemas: esse sistema eleitoral que beneficia Trump, e o desgosto dos
eleitores com o status quo. Biden tem o mesmo problema que os governos da
Argentina, Chile, Colômbia, Peru. As pessoas estão insatisfeitas com o sistema
política e com quem está no poder. Mesmo com a economia indo bem nos EUA, será
uma eleição acirrada.
Em Israel, o Parlamento aprovou a primeira
parte da reforma judicial que limita os poderes da Suprema Corte, o que alguns
analistas consideram uma afronta ao Estado de Direito. Qual é sua avaliação e
que impacto pode ter em outros países e regiões?
Israel é um país diferente, único, e não é
uma democracia plena. Vejo o país caminhando para ser um Estado-apartheid, pela
questão palestina, como foi a África do Sul no século passado. Vemos o
fortalecimento de forças antidemocráticas, um nacionalismo ortodoxo, que não
tem interesse em proteger os direitos das minorias. Pelo contrário, vejo o
desejo de construir um Estado judeu, que enfraqueça esses direitos. E acho que
podem vencer.
Quando falamos em extrema direita global, o
que o preocupa mais?
As democracias estão assediadas em muitos países, e a maior ameaça é a extrema direita. Dois países nos quais estou focado são Israel e Índia, porque são regimes com forças nacionais dominantes, que podem matar a democracia para sempre. Outro país que me preocupa é os Estados Unidos, onde a democracia ainda está em risco.
Deus nos livre!
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