quarta-feira, 26 de julho de 2023

Entrevista | Steven Levitsky: ‘Extrema direita não é maioria no mundo, mas está vibrante’

Por Janaína Figueiredo / O Globo

Em entrevista ao GLOBO, professor de Harvard Steven Levitsky analisa eleições espanholas, ataques à democracia em Israel e cenário nos EUA e América Latina

O resultado das eleições na Espanha instalou um debate sobre o poder da extrema direita no mundo e sua real capacidade de continuar crescendo. No país Ibérico, o radical Vox teve pouco mais de três milhões de votos, conquistando 33 cadeiras, 19 a menos do que nas eleições de 2019. Na visão de Steven Levitsky, coautor de “Como as democracias morrem” e professor da Universidade Harvard, a extrema direita está longe de ser dominante, mas está vibrante e tem a capacidade de influenciar a agenda e os sistemas políticos.

— Não podemos falar numa onda de extrema direita, mas podemos dizer que hoje ela está mais forte do que há uma geração — disse Levistky em entrevista ao GLOBO.

O professor de Harvard está especialmente preocupado pela situação política nos EUA, onde acredita que o ex-presidente Donald Trump tem chances de voltar ao poder em 2024, Israel e Índia. Na América Latina, acrescentou, "as pessoas estão zangadas com o status quo”, e isso se expressa, por exemplo, com crescimento do pinochetismo no Chile. 

Os principais trechos seguem abaixo:

Nas eleições espanholas, a extrema direita, representada pelo partido Vox, não teve o desempenho esperado. Quando falamos sobre extrema direita globalmente, é possível ver uma tendência?

Cada eleição, em cada país, tem uma dinâmica diferente. Cada candidato é diferente, existem questões domésticas, e por isso não podemos nos surpreender quando alguns candidatos de extrema direita vão bem, e outros não tanto. Mas, sim, vemos algumas tendências. Nos países mais desenvolvidos, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, o principal combustível para o crescimento e fortalecimento da extrema direita é o impacto da imigração. No caso da Espanha, há 25 anos o Vox não existia e a imigração explica, em parte, seu crescimento. No mundo, a extrema direita não é maioria, ela pode ter 15% ou 30% de apoio, mas está vibrante. Não podemos falar numa onda de extrema direita, mas podemos dizer que hoje ela está mais forte do que há uma geração.

Mas não consegue ser maioria…

Não é uma maioria, não é dominante, com exceção dos Estados Unidos, mas influencia a agenda política em países como Espanha, França, Itália, propondo e conseguindo aprovar iniciativas contra a imigração, entre outras. Mesmo com 15% dos votos, a extrema direita tem influencia em todo o sistema político.

Na América Latina a imigração também é combustível para a extrema direita?

Não, na América Latina temos outras causas. Eu diria que o principal combustível é o aumento da violência, o crime. Este fator sempre leva a classe média a votar pela extrema direita. Há outros fatores, como a influência dos evangélicos, também a imigração, sobretudo de venezuelanos, mas a violência é o fator mais importante.

No Chile, o pinochetismo está ressurgindo e a violência, de fato, está relacionada a esse fenômeno nacional…

Na América Latina, em geral, as pessoas estão zangadas com o status quo. Estão insatisfeitas com o sistema político tradicional, e expressam essa insatisfação de diferentes maneiras. O pinochetismo é parte disso, é a expressão de um sentimento anti status quo. Com a exceção parcial do Uruguai, e por razões que não entendemos profundamente, os latino-americanos estão rejeitando o status quo. No Chile, tragicamente, isso se expressa com a nostalgia pelo pinochetismo.

Na Argentina, o candidato presidencial de extrema direita, Javier Milei, está derretendo nas pesquisas…

Sim, mas, novamente, a extrema direita tem impacto no sistema político. A pré-candidata Patricia Bullrich [da aliança opositora Juntos pela Mudança, integrada pelo ex-presidente Mauricio Macri], é um claro exemplo da direitização da política argentina. Se ela vencer as primárias [do dia 13 de agosto], representará uma opção de direita mais radical do que Macri ou Larreta [prefeito de Buenos Aires, com quem Bullrich vai disputar as primárias].

Como o senhor vê a extrema direita no Brasil?

Bom, Bolsonaro parece estar perdendo força, diferentemente de Trump. Os conservadores do centrão estão influenciando a agenda política através do Congresso, e Lula, que não tem maioria, teve de negociar. Lembro quando, em seu primeiro governo, Lula disse que para governar o Brasil até mesmo Jesus Cristo teria de negociar com Judas, e ele fez isso e está fazendo isso. Os sinais que vejo não são muito positivos.

Nos EUA, quais são as chances de o trumpismo voltar ao poder?

Nos EUA, a extrema direita de Trump tem vantagens únicas. Temos um país bipartidário, algo que não vemos na Europa. A natureza do sistema político americano favorece os republicanos, que têm mais força do que os democratas no interior do país, e podem ganhar uma eleição sem ter a maior quantidade de votos, como já vimos [pelo peso dos colégios eleitorais nos quais são mais fortes]. Isso não acontece na Espanha, Itália, Suécia ou França. Nos EUA, Trump nunca teve um apoio majoritário, mas nunca precisou dele para chegar ao poder. O presidente Joe Biden [que concorrerá à reeleição] tem dois problemas: esse sistema eleitoral que beneficia Trump, e o desgosto dos eleitores com o status quo. Biden tem o mesmo problema que os governos da Argentina, Chile, Colômbia, Peru. As pessoas estão insatisfeitas com o sistema política e com quem está no poder. Mesmo com a economia indo bem nos EUA, será uma eleição acirrada.

Em Israel, o Parlamento aprovou a primeira parte da reforma judicial que limita os poderes da Suprema Corte, o que alguns analistas consideram uma afronta ao Estado de Direito. Qual é sua avaliação e que impacto pode ter em outros países e regiões?

Israel é um país diferente, único, e não é uma democracia plena. Vejo o país caminhando para ser um Estado-apartheid, pela questão palestina, como foi a África do Sul no século passado. Vemos o fortalecimento de forças antidemocráticas, um nacionalismo ortodoxo, que não tem interesse em proteger os direitos das minorias. Pelo contrário, vejo o desejo de construir um Estado judeu, que enfraqueça esses direitos. E acho que podem vencer.

Quando falamos em extrema direita global, o que o preocupa mais?

As democracias estão assediadas em muitos países, e a maior ameaça é a extrema direita. Dois países nos quais estou focado são Israel e Índia, porque são regimes com forças nacionais dominantes, que podem matar a democracia para sempre. Outro país que me preocupa é os Estados Unidos, onde a democracia ainda está em risco.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Deus nos livre!