Valor Econômico
O projeto de reforma sintetiza o anseio na
sociedade por um sistema tributário mais racional e equitativo
Roberto Campos teria dito que
“infelizmente, o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”.
Essa frase cai como uma luva quando tramita no Congresso Nacional um projeto de
reforma profunda dos tributos que incidem sobre o consumo, cuja aprovação tem o
potencial de impulsionar o crescimento da economia brasileira nas próximas
décadas.
Muito embora o projeto em discussão no Legislativo represente uma oportunidade ímpar para se adotar no Brasil um regime de tributação sobre o consumo dos mais avançados no mundo, infelizmente grupos de pressão têm atuado ativamente para levá-lo ao fracasso, claramente colocando interesses regionais e setoriais acima do interesse nacional. Como munição, tais grupos, muitas vezes, não hesitam em lançar mão de falácias, meias verdades ou equívocos técnicos flagrantes.
O mencionado projeto prevê a substituição
de cinco tributos por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, mantendo
separados o IVA que engloba tributos hoje na órbita federal (IPI, PIS e Cofins)
daqueles que estão nas esferas estadual e municipal (ICMS e ISS). Conquanto o
ideal fosse a criação de apenas um IVA nacional, os autores do projeto, de maneira
inteligente, optaram pela dualidade do tributo, com vistas a afastar a ideia de
que haveria o enfraquecimento da Federação, caso houvesse a concentração em
apenas um único tributo, gerenciado pela União.
Apesar disso, ainda há aqueles que seguem
apontando o projeto como uma ameaça à autonomia dos Estados e municípios. O
argumento parece-me falacioso, pois o projeto não impede que os entes federados
possam fixar as alíquotas para seus territórios. O que na realidade o projeto
veda é atribuir poder discricionário a Estados e munícipios para fixar
hipóteses de incidência e bases de cálculo do tributo, porque isso
representaria a manutenção do manicômio atual, onde há de fato 27 regimes
tributários diferentes, anulando um dos grandes benefícios almejados pela
reforma, que é a simplificação tributária e a diminuição do custo de
observância pelos contribuintes. Vale notar que outras nações organizadas
politicamente como federação, como a Alemanha, há muito adotam o IVA nacional,
sem prejuízo dos princípios federativos.
Outra discussão que tem potencial para
ferir de morte a reforma tributária diz respeito à criação de exceções à regra
geral, para beneficiar determinados segmentos econômicos. A PEC como aprovada
na Câmara dos Deputados já se afasta bastante do ideal de uma alíquota
uniforme, ao prever três alíquotas: a cheia ou de referência, uma reduzida em
60% em relação à de referência e a alíquota zero, além de regimes especiais ou
com a faculdade de adesão pelo contribuinte como do Simples e o da Zona Franca
de Manaus. Caso prosperem tais exceções e mais aquelas que ainda estão sendo
cogitadas, a alíquota de referência do novo tributo dificilmente ficará muito
abaixo dos 30%, que é um percentual muito acima da média observada
internacionalmente. Ou seja, para que o nível de arrecadação atual seja
mantido, uma maioria das empresas pagará uma conta mais salgada por causa das
vantagens tributárias atribuídas a alguns setores minoritários.
De toda maneira, vale ressaltar que a
criação do IVA nos moldes ora em discussão pelo Legislativo trará enormes
benefícios para a economia brasileira. A tributação no destino e a eliminação
dos tributos em cascata vão permitir que a alocação de recursos siga a
racionalidade econômica, e não mais uma busca pura e simples de vantagens
tributárias, o que deve tornar a economia mais produtiva e a produção
doméstica, mais competitiva nos mercados externos. Ademais, o país deixará de
exportar impostos, em razão de a incidência passar a ser no destino e não mais
na origem, como na presente situação, em que o processo de desoneração das
exportações é imperfeito e tortuoso, principalmente em razão da dificuldade de
se transferir créditos tributários entre os distintos entes federados. Além disso,
a adoção do IVA dual, ao simplificar profundamente a legislação tributária
vigente, deve reduzir de modo significativo o custo de observância pelas
empresas, inclusive diminuindo a insegurança jurídica e o alto grau de
litigiosidade entre as autoridades tributárias e os contribuintes.
Por outro lado, o longo período de
transição entre o modelo atual e o proposto na reforma e os mecanismos nela
previstos para preservar o atual nível de arrecadação de Estados e municípios
afastam os riscos da transição de regime, tanto para o Fisco quanto para os
contribuintes. Tal característica da reforma, a meu ver, permite que haja mais
ousadia na busca de um modelo de IVA o mais próximo do ideal, com um mínimo de
exceções e de regimes especiais.
Em suma, está nas mãos dos congressistas a
responsabilidade de evitar que mais uma vez o Brasil perca uma oportunidade. O
projeto de reforma dos impostos sobre o consumo resultou de anos de estudos e
debates e sintetiza o anseio majoritário na sociedade brasileira por um sistema
tributário mais racional e equitativo. Cabe ao Congresso Nacional não apenas
aprovar a reforma, como também preservar seus princípios basilares de modo a
evitar que todo esforço redunde apenas numa “troca de seis por meia dúzia”.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Lendo e aprendendo.
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