domingo, 23 de julho de 2023

Míriam Leitão - Erros e acertos externos de Lula

O Globo

Presidente já reinseriu o Brasil no mundo, mas brigou sem razão com Boric e erra nas posições sobre Venezuela, Nicarágua e Rússia

O presidente Lula já reinseriu o Brasil no mundo, com ações que começaram antes mesmo da posse. Mas, ao mesmo tempo, coleciona arestas, erros de avaliação e gafes. Na briga da semana passada com o presidente do Chile, Gabriel Boric, Lula não tinha razão alguma. Foi uma agressão gratuita, em que afirmou que Boric era “sequioso”, “apressado” e que não tinha experiência em reuniões internacionais. A resposta do presidente chileno foi elegante. Disse que tinha “respeito infinito” e “muito carinho” por Lula.

Por que divergiram os dois líderes da esquerda latino-americana? Desta vez foi por causa da Rússia. Na mesma semana, a Rússia suspendeu o acordo de exportação de grãos e bombardeou portos ucranianos, numa ação contra o comércio de alimentos que afeta mais diretamente países pobres da África, importadores de milho e trigo da Ucrânia.

Mais uma vez o governo de Vladimir Putin mostra o mal que tem produzido por sua decisão de invadir a Ucrânia e começar esse flagelo. A paz é o sonho de todos, mas quem condena a Rússia, como faz Gabriel Boric, tem mais razão do que quem tem uma atitude ambígua, como a diplomacia brasileira.

Na relação com os vizinhos próximos, Lula fez elogios a Nicolás Maduro e críticas a Gabriel Boric, o que é escolher o lado totalmente errado. Boric é da esquerda democrática, campo político no qual Lula se insere. Maduro comanda um governo que se definiu como de esquerda mas realizou um projeto autoritário. O chavismo tem mais identidade de métodos e propósitos com o bolsonarismo. A diferença é que na Venezuela o coronel Chavez, defensor de golpes de estado, conseguiu realizar seu plano de demolição das instituições.

A política externa de Lula tem se caracterizado por uma oscilação de posições. Na semana passada mesmo, a declaração assinada sobre a Venezuela com a França, Colômbia e Argentina é bastante diferente da posição que Lula havia defendido antes. Depois de dizer que a democracia é relativa e ter apoiado abertamente Nicolás Maduro, o presidente brasileiro corrigiu a rota.

Agora, junto a outros países, pede eleições livres, transparentes, em que todos possam participar e acompanhadas pela comunidade internacional. Isso como parte do processo para suspender o embargo à Venezuela.

Agora, refeita, a posição do Brasil ficou aceitável. O que a Venezuela precisa é de eleições livres e, nesse contexto, o levantamento das sanções é importante e desejável. A cassação da candidatura de Maria Corina Machado faz parte de um padrão de comportamento do governo chavista, que só aceita candidatos que não o ameace, só aceita o resultado de eleições e plebiscito que o chavismo ganha.

As críticas à União Europeia por mudanças feitas no acordo com o Mercosul precisam ser mais bem qualificadas e entendidas. É natural a União Europeia exigir que a exportação brasileira não seja de área de desmatamento. O parlamento europeu e vários países aprovaram leis nesse sentido, depois que a primeira versão do acordo foi fechada em 2019.

Nos últimos quatro anos, o desmatamento aumentou estimulado pelo governo Bolsonaro e foi isto que impediu que o acordo se transformasse em realidade. As barreiras ambientais não são protecionismo, nem exigências novas, como têm sido apresentadas. São a tendência do comércio global daqui para diante.

Como o governo Lula tem compromisso com a queda do desmatamento, o que precisa ser negociado é a maneira mais eficiente de atender ao objetivo dos dois lados, que é a rastreabilidade da produção na Amazônia. O consumidor europeu não quer — e o consumidor brasileiro também não quer — comprar alimentos produzidos ao preço da destruição da Amazônia. As críticas a essa exigência da União Europeia são contraditórias com o plano de governo de Lula para a questão ambiental e climática.

O presidente Lula já teve que recuar de declarações ou posições em relação à Venezuela, Nicarágua, Rússia, e sobre a posição da Europa e Estados Unidos em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Lula hesita em condenar Putin, é condescendente com a Venezuela e criou arestas com declarações que precisou corrigir depois. O presidente Lula fez um enorme trabalho para tirar o Brasil do ostracismo diplomático e está usando errado a nova inserção brasileira que ele mesmo conquistou.

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