Folha de S. Paulo
Capitalismo brasileiro tem mesmo de se
arranjar com 'o comunista' Lula
Oito meses depois de derrotado nas urnas, o
que restou a Jair
Bolsonaro, a quem já se dispensou, até em textos que se queriam de
fino trato, a condição de líder de uma guinada conservadora virtuosa, ainda que
ele fosse um tanto tosco? Só a sabotagem. Qual a sua alternativa para o
arcabouço fiscal ou a reforma
tributária? Nada. "Os tais textos passaram vergonha?" Bem,
eles nem acertam nem erram. Seus autores, sim.
O imbrochável e inelegível resumiu a complexidade do seu credo político no Twitter —transcrevo como está lá. "Não à Reforma Tributária do PT: Lula se reúne com o Foro de SP (criado em 1990 por Fidel, FARC, ...), diz ter orgulho de ser comunista, que na Venezuela impera a democracia, é amigo de Ortega que prende padres e expulsa freiras e seu partido comemorou a minha inelegibilidade. (...) Do exposto, a todos aqueles que se elegeram com nossa bandeira de ‘Deus, Pátria, Família e Liberdade’, peço que votem contra a PEC da Reforma Tributária do lula"
É o puro chorume da lógica bolsonariana: se
Lula "se reúne com o Foro de SP", então é preciso votar contra.
Entenderam? Se o petista disse "ter orgulho de ser comunista", há de
se combater uma proposta defendida pela quase totalidade do empresariado e por sólidas
reputações liberais. Em tempo: o petista afirmou se orgulhar de que a extrema
direita o chame e a seus aliados de comunistas. É coisa distinta. Mas não se
espere do outro certas sutilezas...
Quando seu líder maior foi condenado sem
provas, o PT não entregou os pontos e entrou no modo "resistência". O
homem passou 580 dias na prisão e agora exerce seu terceiro mandato,
conquistado nas urnas. Nota lateral: em entrevista ao
SBT, citou o caso de Joe Biden e disse que pode se animar a disputar a
reeleição, mas que é cedo para tratar do assunto. Quem, com um tantinho de
juízo, diria o contrário a esta altura? Seria como dar largada à corrida
sucessória no seu próprio quintal. Volto ao ponto.
O inconformismo com a condenação e a
manutenção do petista como candidato foi entendida por muitos como um empecilho
à ascensão de outras lideranças no campo progressista. Bem, o PT efetivamente
existe. A rigor, resta como único grande partido com vida e militância ativas,
indo além de um mero ajuntamento de interesses para ocupar posições no Estado e
obter benefícios.
Não sei se percebem, mas o bufão da extrema
direita busca mimetizar a resiliência de seu antípoda. Ocorre que são situações
brutalmente diferentes. Os lulistas organizaram uma reação de caráter
democrático a desmandos de uma camarilha formada por membros do MPF e da
Justiça. Tivesse abandonado aquele que caíra em desgraça, teria se desintegrado
porque corresponderia a se vergar à leitura definida por seus adversários.
Que orientação tem a dar o prosélito da
cloroquina a suas bases? A resposta está no Twitter. Se o sujeito se elegeu com
a bandeira "Deus, Pátria, Família e Liberdade", tem de ser contra o
IVA dual e a cobrança de impostos no destino... Elementar, não?
É impossível a Bolsonaro seguir os passos
que levaram à ressurreição política de Lula porque, inelegível e, entendo,
vislumbrando uma boa temporada na cadeia, dedica-se, de forma obstinada, à
simples política da destruição. A insanidade é de tal sorte que não hesitou em
jogar Tarcísio
de Freitas às víboras porque este passou a defender a reforma. Liderou
pessoalmente o linchamento do governador em uma reunião do PL. Ele não quer ter
aliados. Só se contenta com reféns.
Tarcísio ainda tentou ponderar que a
direita não pode correr o risco de sobrar na história como adversária da
reforma. Inútil. No mesmo encontro, Ricardo
Salles, desqualificando o mais novo alvo das milícias digitais, disse
ser "mais fácil construir estradas do que enfrentar as esquerdas". E
tratou "Meio Ambiente, Educação, Justiça e Cultura" como
"ministérios ideológicos".
A estratégia do tal líder da "guinada conservadora"? Expor a cicatriz no abdômen e combinar com Michelle uma chorosa declaração de amor para encharcar de lágrimas o solo da reação. Na terra salgada pela mistificação, nada brota. A saída do capitalismo brasileiro, parece, é se arranjar mesmo com o "comunista", aquele do maior Plano Safra da história.
Pois é.
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