segunda-feira, 17 de julho de 2023

Ricardo Henriques* - Economia Criativa como ativo de desenvolvimento

O Globo

Para explorar esse potencial, o Brasil deve investir em educação, capacitação profissional e infraestrutura, bem como em políticas públicas que incentivem a inovação e a proteção dos direitos autorais

Num mundo em que máquinas e sistemas de inteligência artificial avançam cada vez mais sobre empregos tradicionais, é fundamental identificar setores onde a mão-de-obra humana continue sendo a mais valorizada. A economia criativa emerge como alternativa particularmente relevante, com enorme potencial a ser aproveitado pelo Brasil.

Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em relatório de 2022, o setor representa 3,1% do PIB mundial, promovendo inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano. Além de representar um caldeirão preenchido pelo encontro da arte com a cultura, cruciais para o desenvolvimento de habilidades como raciocínio crítico e criatividade, envolve também a produção e o comércio de bens e serviços baseados intensivamente em conhecimento.

De acordo com a Unesco (2021), o mercado cultural está entre os mais dinâmicos da economia global, gerando cerca de 29,5 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. No Brasil, Valiati, Moler e Lang estimam, em artigo de 2023, que os setores de produção artística, patrimônio e economia criativa movimentaram 3,11% do PIB em 2020, ante 2,06% do setor automotivo no mesmo ano. É evidente, pois, que se trata de um setor capaz de gerar dinamismo sobre toda a economia. Mas, como potencializá-lo?

Uma das formas é por meio do que a teoria das relações internacionais chama de “Soft Power”. Segundo Joseph Nye em “Soft Power: The Means to Success in World Politics”, artigo de 2004, o conceito refere-se à capacidade de influenciar e atrair outros países por meio de valores culturais, ideias, instituições e políticas, em contraste com o Hard Power, que envolve o uso de força militar ou coerção econômica.

Por exemplo, a produção de filmes e séries de TV difunde a língua portuguesa e a cultura brasileira, ampliando a influência do país no mercado internacional, como já fizemos com telenovelas e com nossa música. Um simples chinelo de borracha ganha valor no mercado externo ao ser associado à nossa cultura, desperta interesse sobre o Brasil, movimenta comércio externo e gera empregos.

Mas é certo que poderíamos fazer muito mais. A culinária na Amazônia, apenas para citar um exemplo, poderia ser mais utilizada para ampliar a influência internacional do Brasil. Hoje, comer num restaurante peruano, tailandês ou coreano não é somente uma decisão corriqueira. É também resultado do investimento desses países na gastrodiplomacia, com o objetivo de fortalecer o turismo e economias locais.

A economia criativa pode ser fortemente impulsionada pela tecnologia e pela inovação. O avanço das tecnologias digitais tem ampliado as possibilidades de criação e distribuição de conteúdo criativo, abrindo novas oportunidades. Ao mesmo tempo, a criatividade também beneficia a tecnologia.

A inteligência artificial pode fazer melhor e mais rápido o trabalho de programadores de sistemas computacionais, mas os novos games, programas ou aplicativos que farão sucesso no futuro dependerão, principalmente, da capacidade humana de antecipar cenários e buscar soluções inovadoras e criativas para demandas da sociedade contemporânea.

Lembremos, por outro lado, que a economia criativa não diz respeito somente a essas atividades com projeção internacional. Parcela importante de sua grandeza encontra-se na enorme capilaridade que possui, reunindo e movimentando milhões de pessoas em festas gigantescas, como o São João de Caruaru e Campina Grande, o Bumba Meu Boi nas regiões Norte e Nordeste, a Congada do Ceará ao Rio Grande do Sul, as romarias a Trindade, em Goiás, o Carnaval país afora, além de outras festas, celebrações, shows e outras atividades artísticas que ocorrem diariamente em todo o Brasil.

Altamente intensivas em mão-de-obra, tudo isso alimenta enorme leque de bens e serviços, com um efeito multiplicador dependente do labor humano, relevante para a geração de emprego e renda, inclusive em locais com economia menos dinâmica.

Para explorar plenamente o potencial da economia criativa, o Brasil deve investir em educação, capacitação profissional e infraestrutura, bem como em políticas públicas que incentivem a inovação e a proteção dos direitos autorais. Dessa forma, teremos melhores condições de impulsionar o desenvolvimento regional e a inclusão social, ao estimular a criação de projetos e empreendimentos locais, não apenas em grandes centros urbanos.

Essa descentralização pode contribuir para reduzir desigualdades, impulsionando o crescimento econômico e a geração de empregos. O caminho é promissor, desde que saibamos aproveitá-lo.

*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral

 

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