O Globo
Para explorar esse potencial, o Brasil deve
investir em educação, capacitação profissional e infraestrutura, bem como em
políticas públicas que incentivem a inovação e a proteção dos direitos autorais
Num mundo em que máquinas e sistemas de
inteligência artificial avançam cada vez mais sobre empregos tradicionais, é
fundamental identificar setores onde a mão-de-obra humana continue sendo a mais
valorizada. A economia criativa emerge como alternativa particularmente
relevante, com enorme potencial a ser aproveitado pelo Brasil.
Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em relatório de 2022, o setor representa 3,1% do PIB mundial, promovendo inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano. Além de representar um caldeirão preenchido pelo encontro da arte com a cultura, cruciais para o desenvolvimento de habilidades como raciocínio crítico e criatividade, envolve também a produção e o comércio de bens e serviços baseados intensivamente em conhecimento.
De acordo com a Unesco (2021), o mercado cultural está entre os mais
dinâmicos da economia global, gerando cerca de 29,5 milhões de postos de
trabalho em todo o mundo. No Brasil, Valiati, Moler e Lang estimam, em artigo de 2023, que os setores de produção artística,
patrimônio e economia criativa movimentaram 3,11% do PIB em 2020, ante 2,06% do
setor automotivo no mesmo ano. É evidente, pois, que se trata de um setor capaz
de gerar dinamismo sobre toda a economia. Mas, como potencializá-lo?
Uma das formas é por meio do que a teoria
das relações internacionais chama de “Soft Power”. Segundo Joseph Nye em “Soft
Power: The Means to Success in World Politics”, artigo de 2004, o conceito refere-se à capacidade de
influenciar e atrair outros países por meio de valores culturais, ideias,
instituições e políticas, em contraste com o Hard Power, que envolve o uso de
força militar ou coerção econômica.
Por exemplo, a produção de filmes e séries
de TV difunde a língua portuguesa e a cultura brasileira, ampliando a
influência do país no mercado internacional, como já fizemos com telenovelas e
com nossa música. Um simples chinelo de borracha ganha valor no mercado externo
ao ser associado à nossa cultura, desperta interesse sobre o Brasil, movimenta
comércio externo e gera empregos.
Mas é certo que poderíamos fazer muito
mais. A culinária na Amazônia, apenas para citar um exemplo, poderia ser mais
utilizada para ampliar a influência internacional do Brasil. Hoje, comer num
restaurante peruano, tailandês ou coreano não é somente uma decisão
corriqueira. É também resultado do investimento desses países na
gastrodiplomacia, com o objetivo de fortalecer o turismo e economias locais.
A economia criativa pode ser fortemente
impulsionada pela tecnologia e pela inovação. O avanço das tecnologias digitais
tem ampliado as possibilidades de criação e distribuição de conteúdo criativo,
abrindo novas oportunidades. Ao mesmo tempo, a criatividade também beneficia a
tecnologia.
A inteligência artificial pode fazer melhor
e mais rápido o trabalho de programadores de sistemas computacionais, mas os
novos games, programas ou aplicativos que farão sucesso no futuro dependerão,
principalmente, da capacidade humana de antecipar cenários e buscar soluções
inovadoras e criativas para demandas da sociedade contemporânea.
Lembremos, por outro lado, que a economia
criativa não diz respeito somente a essas atividades com projeção
internacional. Parcela importante de sua grandeza encontra-se na enorme
capilaridade que possui, reunindo e movimentando milhões de pessoas em festas
gigantescas, como o São João de Caruaru e Campina Grande, o Bumba Meu Boi nas
regiões Norte e Nordeste, a Congada do Ceará ao Rio Grande do Sul, as romarias
a Trindade, em Goiás, o Carnaval país afora, além de outras festas, celebrações,
shows e outras atividades artísticas que ocorrem diariamente em todo o Brasil.
Altamente intensivas em mão-de-obra, tudo
isso alimenta enorme leque de bens e serviços, com um efeito multiplicador
dependente do labor humano, relevante para a geração de emprego e renda,
inclusive em locais com economia menos dinâmica.
Para explorar plenamente o potencial da
economia criativa, o Brasil deve investir em educação, capacitação profissional
e infraestrutura, bem como em políticas públicas que incentivem a inovação e a
proteção dos direitos autorais. Dessa forma, teremos melhores condições de
impulsionar o desenvolvimento regional e a inclusão social, ao estimular a
criação de projetos e empreendimentos locais, não apenas em grandes centros
urbanos.
Essa descentralização pode contribuir para
reduzir desigualdades, impulsionando o crescimento econômico e a geração de
empregos. O caminho é promissor, desde que saibamos aproveitá-lo.
*Ricardo Henriques, economista, é
superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da
Fundação Dom Cabral
Muito bom.
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