Folha de S. Paulo
É o nós contra todos. O outro é uma ameaça.
Saímos à rua vestidos para matar
Nas últimas semanas, escrevi duas colunas (23 e 29/6) sobre o fato de que, por qualquer motivo, brasileiros sacam facas, pistolas e barras de ferro, e partem com fúria assassina para cima uns dos outros. Crianças sofrem violência fatal por pais ou tutores. Mulheres são agredidas ou mortas por maridos ou namorados. E o futebol se tornou uma catarse do mal, em que massas de torcedores alvejam adversários com rojões, trocam garrafadas, depredam patrimônio e juram terror a seus próprios jogadores.
As duas colunas se compunham de notícias colhidas na mesma semana. Perguntei: o
que está acontecendo conosco?
Há dias, o levantamento de um órgão internacional dedicado a medir a paz —e,
por conseguinte, a violência— tornou ainda mais premente a pergunta. O Brasil é
um dos 35 países mais perigosos do mundo. Os critérios usados foram o
envolvimento em conflitos, o nível de segurança baseado nas taxas de
criminalidade e a quantidade de armamento em circulação.
O Brasil não está em guerra com ninguém, mas, dentro de suas fronteiras, tem
uma facção capaz de produzir o 8/1. O país bate recordes em crime organizado,
polícia com licença para matar e execuções entre os dois grupos a resultar em
comunidades sob permanente tiroteio. O número de armas em poder de particulares,
autointitulados caçadores, atiradores e colecionadores, quintuplicou nos
últimos anos e explica a facilidade com que as pessoas se matam no dia a dia.
Em 2022, ano da pesquisa, foram 40,8 mil mortes violentas no país —média de 110
vítimas por dia.
O Brasil sempre foi violento, fruto de desigualdade, racismo, homofobia,
ignorância, brutalidade policial, leis complacentes, certeza de impunidade e
corrupção geral. E não vai ficar assim. Vai piorar.
Estamos sendo impregnados pelo discurso do ódio. É o nós contra todos. O outro
é uma ameaça. Saímos à rua vestidos para matar.
Infelizmente é verdade.
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