Valor Econômico
O fortalecimento das contas externas ajuda
a manter o câmbio mais valorizado e faz os investidores estrangeiros verem o
Brasil de modo mais positivo
O saldo da balança comercial brasileira tem
crescido com força, contribuindo para reduzir o déficit em conta corrente, que
mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior. No
primeiro semestre, as exportações superaram as importações em US$ 45 bilhões,
um superávit 31,5% maior que o da primeira metade de 2022. Com isso, está em
curso um fortalecimento adicional das contas externas do país, num momento em
que o cenário global é complexo, com juros elevados nos países desenvolvidos e
atividade econômica global sem dinamismo.
O superávit tem melhorado significativamente desde 2020, como nota a A.C. Pastore & Associados, a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Em 2019, o saldo ficou em US$ 35 bilhões; nos 12 meses até junho deste ano, atingiu US$ 72 bilhões. As exportações de algumas commodities têm garantido os superávits robustos - “quase 40% do valor total embarcado desde 2020 se concentra em três produtos: soja, petróleo e minério de ferro”, aponta a A.C. Pastore.
O grande destaque tem sido a soja. No
primeiro semestre, as exportações do produto em grão responderam por pouco mais
de 20% do total vendido pelo Brasil no exterior, alcançando US$ 33,4 bilhões,
9,4% superior ao do mesmo período do ano passado, um aumento puxado pelo
aumento dos volumes exportados, de 18,4% - os preços recuaram 16,7% na primeira
metade do ano. A China é o grande comprador.
Outro destaque são as exportações de
petróleo. A A.C. Pastore observa que elas “cresceram sensivelmente em 2021 e
2022 em virtude do aumento da produção e dos efeitos da pandemia e do embargo
do Ocidente ao petróleo russo [devido à invasão da Ucrânia], tanto que a União
Europeia se tornou o segundo maior importador” da commodity brasileira - a
China é o primeiro.
Neste ano, o volume exportado pelo Brasil
tem crescido, enquanto os preços têm recuado. No primeiro semestre, as
quantidades embarcadas subiram 8,5% em relação ao mesmo período de 2022, ao
passo que os preços das vendas ao exterior caíram 6,5%. Como de costume, as
vendas de commodities comandam o crescimento do volume exportado. Esses
produtos representaram 69% das exportações no primeiro semestre de 2023, dizem
os analistas do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). No primeiro semestre de 2007, esse
percentual era de 45%, aponta relatório do Icomex.
Nesses 16 anos, o volume exportado de
commodities cresceu 102,3%, enquanto o dos outros produtos recuou 6,3%. Para os
analistas do FGV Ibre, a conclusão é que “o comportamento cíclico dos preços
das commodities, com altas e baixas, “não limitou a trajetória de ascensão no
volume exportado da agropecuária, em especial”, e nem da extrativa ao longo dos
últimos anos. “Esse resultado indica que o avanço da agropecuária brasileira no
comércio mundial é um fato estrutural e reflete a produtividade do setor”, diz
o relatório, ponderando que “é importante estimular a diversificação não só da
agropecuária, mas de produtos de outros setores”.
A concentração das exportações brasileiras
em poucos bens fica clara também nos números do primeiro semestre. O Icomex
mostra que seis produtos explicaram quase metade das vendas externas no
período: soja em grão respondeu por 20,2%; petróleo bruto, por 11,3%; minério
de ferro, por 8,2%; farelo de soja, por 3,7%; óleos combustíveis, por 3,2%; e
açúcar e melaços, por outros 3,2%. Desconcentrar a pauta de exportações com
mais produtos de outros segmentos é de fato relevante, o que passa por medidas
como a reforma tributária, avanços da infraestrutura, melhora do ambiente de
negócios e redução sustentada do custo de capital no país, iniciativas que
beneficiem todos os segmentos da economia, e não um punhado de escolhidos.
Do ponto de vista das contas externas, o
salto nos superávits comerciais tem fortalecido a posição do país, que já era
tranquila. O Brasil tem há anos reservas internacionais elevadas, que subiram
mais US$ 21 bilhões neste ano - estão em US$ 345,8 bilhões. Além disso, o fluxo
de investimentos estrangeiros diretos cobre com folga o déficit em conta
corrente, ainda que tenha sido um pouco mais fraco nos cinco primeiros meses de
2023.
A A.C. Pastore nota que o déficit da conta
corrente está em queda desde o quarto trimestre de 2022, refletindo o resultado
favorável da balança comercial. No acumulado em 12 meses, o rombo encolheu de
US$ 61,4 bilhões em setembro do ano passado para US$ 48,5 bilhões em maio deste
ano (o último dado disponível). Nas projeções da consultoria, o rombo na
corrente deve ficar em US$ 32 bilhões em 2023, o equivalente a 1,5% do PIB. Em
2022, foi de US$ 57 bilhões, ou 3% do PIB. Nas estimativas da A.C. Pastore, a
balança comercial deve atingir US$ 85 bilhões no critério da Secretaria de
Comércio Exterior (Secex). Já pelos números do Banco Central (BC), o saldo deve
ser de US$ 67 bilhões - a instituição considera em seus cálculos importações de
pequeno valor, investimento em criptomoedas e importações de plataformas de
petróleo pelo Repetro, o que diminui o superávit comercial levado em conta nas
estatísticas das contas externas. O Itaú Unibanco, que trabalha com um
crescimento do PIB de 2,3% neste ano (superior ao da A.C. Pastore, de 1,8%), vê
um saldo comercial pelo critério da Secex de US$ 70 bilhões e um déficit em
conta corrente de 1,7% do PIB. Com uma expansão mais forte da economia, as
importações crescem mais, reduzindo o saldo.
Esse fortalecimento das contas externas
contribui para um câmbio mais valorizado, que tem se mantido abaixo de R$ 5 -
na sexta-feira, o dólar fechou a R$ 4,78. Com um déficit em conta corrente
menor, reservas robustas e um fluxo expressivo de investimento direto, muitos
investidores estrangeiros veem o Brasil de modo mais positivo, ainda que a
situação das contas públicas esteja longe de ser resolvida, mesmo com a
expectativa de aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso. A economista-chefe
da A.C. Pastore, Paula Magalhães, avalia que as contas externas do país dão
mais tranquilidade aos estrangeiros quando analisam o Brasil, especialmente
comparado a outros emergentes. “É um problema a menos, e não parece que haverá
problema nessa área tão cedo.”
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