O Estado de S. Paulo
É interessante comparar o relativo sucesso das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação
Talvez não seja só coincidência que, pouco
antes da aprovação da reforma tributária pelo Congresso, o Instituto de Estudos
de Política Econômica – Casa das Garças – tenha publicado A Arte da Política
Econômica (Selo Real / Intrínseca, 2023), livro com depoimentos de 30 pessoas,
quase todas economistas que, sobretudo a partir do Plano Real, contribuíram
para o esforço de organizar a economia, criar instituições sólidas e
implementar políticas públicas mais efetivas no Brasil, nem todas bem
sucedidas. Os depoimentos estão agrupados em cinco temas, começando pela
estabilidade econômica (incluindo os de Edmar Bacha e Pérsio Arida), gestão de
crises (Pedro Parente e outros), reformas microeconômicas (Marcos Lisboa e
outros), experiências estaduais (Paulo Hartung e outros) e reformas
inconclusas, entre as quais a reforma tributária, com Bernard Appy.
Lendo o depoimento de Appy, fica claro que, para uma reforma desta monta ser aprovada, é preciso ao menos três condições: competência técnica na análise do problema e formulação de alternativas; entendimento claro dos interesses que a reforma pode contrariar, negociando e criando mecanismos para reduzir as resistências; e decisão política para que elas sejam efetivadas. Ao final do governo Bolsonaro, a proposta estava pronta, o trabalho de costura política com o Congresso, bem avançado, e só faltava que o governo desse apoio. Appy conclui seu depoimento de 2022 dizendo que, “se a reforma tributária não for aprovada neste governo, está pronta para ser aprovada no próximo”, como de fato está ocorrendo.
Uma ideia que aparentemente permeia os
depoimentos é a de que, para cada uma das questões, existiria sempre uma
solução técnico-científica, que só dependeria da arte da política para ser
colocada em prática. No prefácio, Edmar Bacha associa a entrada progressiva de
economistas em postos de comando da política econômica à evolução das ciências
econômicas no Brasil, iniciada com os primeiros programas de pós-graduação nos
anos 60 e a ida de centenas de jovens para estudos avançados no exterior, que
voltaram depois para trabalhar em instituições como o Ipea e o BNDES, no
Ministério de Fazenda, na área financeira e nos novos programas de
pós-graduação e pesquisa que foram se consolidando.
De fato, comparada com as demais ciências
sociais, como a sociologia, a ciência política e a educação, a economia é hoje
uma área de estudo e pesquisa bem mais consolidada. Mas não é uma ciência
exata, estando sujeita a contestações e controvérsias não só entre economistas
que compartilham as teorias centrais e os métodos de trabalho dominantes nas
principais instituições universitárias do mundo, mas também por parte de
correntes heterodoxas que defendem abordagens radicalmente diferentes. A diferença
é que, no primeiro caso, as controvérsias podem ser dirimidas ou ao menos se
expressar numa linguagem compartilhada, enquanto a divisão entre economistas
ortodoxos e heterodoxos é marcada, ainda que não de forma absoluta, por
diferentes filiações partidárias e ideológicas, sobretudo em relação ao papel
do Estado e dos mercados na economia e temas correlatos como políticas
monetária, industrial, fiscal, comercial, papel do Banco Central e outros.
Nas controvérsias relativas a políticas
públicas, nem sempre se pode distinguir com clareza o que são divergências
técnicas, ideológicas ou políticas. Mas é fácil de ver quando determinadas
políticas são implementadas com um forte embasamento técnico profissional ou
por concepções e preferências ideológicas ou de poder.
Com o novo governo Lula, havia a
expectativa de que as correntes ditas “estruturalistas”, próximas ao PT,
voltassem a comandar a política econômica, mas isso não ocorreu.
São visíveis, dentro do governo, as
resistências às políticas econômicas conduzidas por Fernando Haddad e Simone
Tebet, mas é notável que a proposta de reforma fiscal proposta por Bernard Appy
tivesse sido apoiada por um manifesto assinado por economistas de todas as
tendências.
Não há dúvida de que o fracasso das
políticas econômicas de Lula 2 e Dilma Rousseff, que jogaram o País em profunda
depressão econômica e política, contribuiu para o desprestígio das correntes
que ainda as defendem. Mas não há dúvida, também, de que a arte da política
econômica requer não somente fazer a ponte entre o mundo da técnica e o da
política, mas também construir um consenso dentro do campo dos especialistas,
ao menos com os seus setores mais representativos.
É interessante comparar o relativo sucesso
das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação. Nesta, ainda
não temos uma comunidade profissional que trabalhe dentro de um paradigma
consensual, e as fronteiras entre a ciência e a política são muito mais fluidas.
Ao invés de buscar decisões baseadas em critérios técnicos e, depois, costurar
apoios, o que vemos são tentativas de construir consensos entre interesses e
ideologias contraditórios, de baixo para cima, transformando cacofonias em
concertos. Não há como dar certo.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira
de Ciências
É frustrante a tentativa do colunista de comparar a economia com as dificuldades na Educação brasileira. A estrutura desta última é totalmente distinta e incomparável com a econômica: 120 mil escolas fundamentais espalhadas por mais de 5.500 municípios, muitas em péssimo estado e com mínimas condições de funcionamento; 30 mil escolas de ensino médio em todos os estados; sem contar os professores que atuam em cada escola, na casa de alguns milhões. Como o colunista pretende comparar isto com os agentes econômicos daqui e com o corpo técnico da economia que foi se qualificando nas últimas décadas?
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