quarta-feira, 26 de julho de 2023

Vera Magalhães - Desarmar é preciso, mas não é simples

O Globo

Lobby no Congresso a favor da permanência da autorização para acesso a determinadas armas por civis é gigante e tem patronos de peso

O pacote de projetos e decretos na área de Segurança e Justiça lançado pelo governo na semana passada mira duas das mais nefastas heranças do bolsonarismo: o armamentismo sem freios promovido pelo ex-presidente e as ameaças à democracia por ele incentivadas e que levaram a atos como os do 8 de Janeiro. Nos dois casos, será necessário um encontro de contas nada simples entre o governo eleito com a promessa de literalmente desarmar essas bombas e um Congresso cuja disposição para tal agenda ainda não está clara.

A reação aos dois Projetos de Lei que mexem em penas para crimes contra agentes públicos e o próprio Estado Democrático de Direito e ao decreto que estabelece regras mais duras para o porte e a posse de armas, o funcionamento dos clubes de tiros e as normas para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores ainda está sendo construída nos bastidores, dado o período de recesso parlamentar.

Esse poder de contraposição à necessária e bem-vinda regulação proposta pelo governo era infinitamente maior no início do ano. Fatores como o avanço rápido das investigações contra os perpetradores e os financiadores e incentivadores dos atos terroristas do 8 de Janeiro, a condenação de Bolsonaro, a aproximação do Centrão ao governo e a melhora do ambiente econômico tiraram munição das bancadas da bala e ruralista para tentar derrubar o decreto — entre todos, a peça mais controversa anunciada por Lula e Flávio Dino.

Mas o lobby a favor da permanência da autorização para acesso a determinadas armas por civis, sobretudo aquele em torno das pistolas 9mm, é gigante e tem patronos de peso na Câmara e no Senado.

A dificuldade é que, agora que está mais próximo do governo e colhendo frutos da aproximação com o PIB pelo avanço da pauta econômica na Casa que preside, Arthur Lira (PP-AL) não está disposto a bancar uma ofensiva para derrubar o decreto de Lula. Daí por que teve a ideia de enrolar a bancada da bala dizendo que só topa colocar um Projeto de Decreto Legislativo para derrubar trechos do decreto de Lula e Dino se a coisa começar pelo Senado.

O pulo do gato é que ele sabe que Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem segurado essas agendas com potencial de dividir a sociedade. Então, que segure na largada, sem que fique para ele, Lira, a pecha de atuar para manter a polarização política. O presidente da Câmara não quer marola com esses assuntos quando pretende concluir a discussão do arcabouço fiscal e viabilizar o ingresso do Centrão no governo com postos mais vistosos.

Ainda assim, não será possível, com esse pacote de projetos anunciado neste mês, praticamente fechar todos os clubes de tiro, como defendeu Lula na sua live semanal. O próprio decreto é parcimonioso ao propor uma volta gradual aos parâmetros que vigoravam até 2018, antes de Bolsonaro promover um vale-tudo que permitia acesso indiscriminado a armas, inclusive às que antes eram de uso restrito das forças de segurança, e munições, sem qualquer fiscalização mais séria por parte do Exército, que, justamente por isso, perderá essa atribuição para a Polícia Federal.

Dino foi alertado no início do ano de que uma tentativa de sustar de vez tudo que Bolsonaro franqueou nessa matéria encontraria um Congresso (principalmente a Câmara) disposto a fazer com esses decretos o mesmo que fez com o do saneamento: derrubar. Por isso a construção mais lenta que a prevista e a opção por uma reversão gradual e cuidadosa do estado de barbárie armamentista levado a cabo pelo ex-presidente.

Esse cuidado necessário se inscreve na constatação feita pelo próprio Lula: de que venceu Bolsonaro, mas não a forma como rapidamente o ex-presidente convenceu uma boa parcela da sociedade a empunhar bandeiras extremistas, entre elas essa defesa cega de um armamentismo sem limites.

 

Um comentário: