terça-feira, 1 de agosto de 2023

Andrea Jubé - Carência de vitamina “P” tira o fôlego da reforma ministerial

Valor Econômico

Dor e mau humor de Lula desaceleram mudanças no ministério

Certa feita, em 1984, na campanha das “Diretas Já”, perguntaram a Tancredo Neves, 74 anos, como ele tinha pique para a agenda frenética que cumpria pelo país em defesa da retomada democrática.

Ele respondeu: “Eu sou movido a vitamina P, meu filho”. Era “P” de política, lógico. O diálogo foi registrado pelo jornalista Ricardo Kotscho em seu livro de memórias.

Em tempos de uma arrastada reforma ministerial sob Lula 3, vale lembrar que Tancredo Neves, então um jovem deputado federal do PSD, foi um dos protagonistas de uma dança das cadeiras promovida pelo presidente Getúlio Vargas em 1953, num momento em que o caudilho enfrentava uma crise, com greves, inflação em alta e cruzeiro desvalorizado.

Vargas chamou o então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, principal liderança do PSD, para discutir as mudanças. Pediu a JK a indicação de um deputado mineiro para assumir o Ministério da Educação, e veio à luz o nome de Tancredo.

Mas às vésperas do anúncio, JK voltou ao chefe do Executivo reivindicando que o correligionário assumisse o Ministério da Justiça. JK sabia que as articulações para a escolha do candidato à sucessão de Vargas em 1955 passariam pela prestigiosa pasta.

Passados 70 anos desse episódio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê-se às voltas com mais uma reforma ministerial, entre tantas outras que foi obrigado a conduzir nos dois mandatos anteriores.

Suspeita-se, entretanto, que o petista deva ingerir mais doses da “vitamina P” de Tancredo para suplantar as dores que lhe afligem devido à artrose no fêmur direito e que comprometem o ritmo da agenda, o seu humor, e, via de consequência, as mudanças no primeiro escalão.

Na semana passada, Lula anunciou que terá de se submeter a uma cirurgia em outubro para resolver o problema. “Ninguém consegue trabalhar com dor o dia inteiro”, reclamou durante uma “live” no dia 25. “Eu sinto que às vezes, estou com mau humor com meus companheiros, eu chego para trabalhar, e quando coloco o pé no chão dói".

As páginas da história mostram que nem a inflamação nas articulações nem a remodelação ministerial são novidade na trajetória de Lula. Em 2003, no começo do primeiro mandato, o petista fazia sessões de acupuntura semanais com o médico chinês Gu Hanghu, morto em 2019. O tratamento foi tão eficaz que livrou-o da cirurgia para curar a bursite no ombro direito.

Foi entre as sessões de agulhadas do Doutor Gu que Lula promoveu a primeira reforma ministerial em 2004, para acomodar novos aliados, como o MDB. Para levar Aldo Rebelo, do PCdoB, para o governo, Lula fatiou poderes de José Dirceu na Casa Civil para criar o Ministério da Coordenação Política e Relações Institucionais.

Em 2005, na esteira da crise do mensalão, Lula demitiu o amigo e correligionário Olívio Dutra para oferecer o Ministério das Cidades ao PP. Mesmo partido que tenta atrair novamente para o governo - agora, no contexto das turbulências com o Centrão.

Passados 20 anos, sem as agulhadas do Doutor Gu, e com chances remotas de se livrar da cirurgia no fêmur em outubro, Lula tem demonstrado menos bom humor. Menos, ainda, para tratar da reforma ministerial.

Mexer no primeiro escalão é uma pauta que contraria o presidente porque implica demitir ou remanejar amigos ou aliados próximos que nomeou para os ministérios, e queria ter ao seu lado para governar.

É nessa conjuntura de dor e mau humor que a reforma desacelerou. A previsão para esta semana são apenas conversas com os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além da solenidade de posse do ministro do Turismo, Celso Sabino (PA), na quinta-feira (3). Conversas com lideranças do Progressistas (PP) e do Republicanos estão no radar, mas não foram agendadas.

A posse dos novos ministros, indicados pelas duas legendas, ficará para 16 ou 17 de agosto, depois da nova rodada de viagens de Lula, que começa sexta-feira (4), com retorno para Brasília somente no dia 11 de agosto, após o lançamento da nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio de Janeiro.

Depois de ser anunciado e esperar por quase um mês para assumir a cadeira, o ministro do Turismo, Celso Sabino, será prestigiado com concorrida solenidade de posse no Palácio do Planalto, com a presença de parlamentares, ministros, e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) - aliado comum de Lula e Sabino. É momento de Lula capitalizar a nomeação de Sabino, que simboliza a adesão ao governo da maioria da bancada do União Brasil, de 59 deputados.

Em outro aceno a Sabino, no dia seguinte à sua posse, o novo ministro vai integrar a comitiva presidencial na viagem ao Pará. O Estado é base eleitoral de Sabino, onde Lula tem compromissos até a próxima semana.

A história mostra que, dificilmente, um presidente da República escapa das pressões do Congresso para governar. Certa feita, o mesmo Ricardo Kotscho perguntou ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, no segundo mandato, por que ele não dava “um murro na mesa” e governava como quisesse, já que estava reeleito. Ouviu a seguinte resposta: “Está maluco? Se eu fizer isso, meu governo acaba no dia seguinte.”

 

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