Valor Econômico
Economistas poderiam buscar arrimo na
física do século XX, que descobriu que os caminhos não podem ser previstos com
exatidão
A indicação do professor Marcio Pochmann
para o IBGE suscitou uma avalanche de críticas disparadas dos arraiais que
abrigam os que se pretendem “vigilantes” da boa e verdadeira ciência econômica.
Esta percepção de excelência científica encarregou-se de atribuir a Pochmann a
inquinação de “ideológico.”
A economia é uma (vá lá) ciência difícil. Keynes dizia que os requerimentos exigidos do bom economista eram muitos: ele deveria combinar os talentos do “matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando embora, noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.
A economia é um sistema complexo. Autor do
livro “Decoding Complexity: Uncovering Patterns of Economic Complexity”, James
Glattfelder escreve no preâmbulo:
“A característica dos sistemas complexos é
que o Todo exibe propriedades que não podem ser deduzidas das Partes
individuais. Em suma, a teoria da complexidade trata de investigar como o
comportamento macro decorre da interação entre os elementos do sistema.”
Isto significa que é crucial a identificação
dos elementos do sistema econômico, mas, sobretudo, são decisivos os supostos
que definem a natureza das relações entre esses elementos.
A metafísica e a epistemologia da corrente
dominante ocultam uma ontologia do econômico que postula certa concepção do
modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade mercantil
capitalista. Para este paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação
econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre
si por nexos externos e não necessários.
Explicamos melhor este ponto, com a ajuda
de Roy Bhaskar: se a concepção é atomística, então todas as causas devem ser
extrínsecas. E se os sistemas não dispõem de uma estrutura intrínseca (isto é,
esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos que os compõem) toda a
ação deve se desenvolver pelo contato. Os indivíduos “atomizados” não são
afetados pela ação e, portanto, ela deve se resumir à comunicação das
propriedades a eles atribuídas. Bhaskar está se referindo ao paradigma da
física clássica, mas a sua definição é imediatamente aplicável aos fundamentos
da concepção neoclássica da sociedade econômica formada por indivíduos
racionais e maximizadores, partículas que definem a natureza da ação
utilitarista e que jamais alteram o seu comportamento na interação com as
outras partículas carregadas de “racionalidade”. Os fundamentos da teoria
econômica dominante definem coerentemente o mercado como um ambiente
comunicativo cuja função é a de promover de modo mais eficiente possível a
circulação da informação relevante.
Essa ontologia tem uma expressão metafísica
e outra epistemológica. A metafísica reivindica o caráter passivo e inerte da
matéria e a causação é vista como um processo linear e unidirecional, externo e
inconsistente com a geração do novo, ou seja, com a emergência que caracteriza
a dinâmica dos sistemas complexos.
Na versão epistemológica, reduto preferido
do positivismo, os fenômenos são apresentados como qualidades simples e
independentes, apreendidas através da experiência sensível. Nesse caso, a
causalidade é vista como a concomitância regular de eventos, que se expressa
sob a forma de leis naturais, depois de processada pelo sujeito do
conhecimento.
Os economistas poderiam buscar arrimo na
física do século XX. A termodinâmica, a física dos quanta e a teoria da
relatividade vem descobrindo que os caminhos na Natureza não podem ser
previstos com exatidão. As pequenas diferenças, as flutuações insignificantes
podem ser produzidas em circunstâncias apropriadas, invadir todo o sistema e
engendrar um novo regime de funcionamento.
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, nas
considerações finais do livro “Entre o Tempo e a Eternidade” concluem que as
ciências não refletem a identidade estática de uma razão à qual era necessário
submeter-se ou resistir, mas participam da criação de sentido ao mesmo nível
que o conjunto das práticas humanas. “Elas não nos podem dizer o que ‘é’ o
homem, a natureza ou a sociedade de tal maneira que, a partir desse saber,
possamos decidir a nossa história”.
A física dos quanta iria radicalizar a
revolução científica ao se desvencilhar completamente do determinismo da física
clássica - a física dos grandes corpos, como a define Louis de Broglie.
A modelística macroeconômica contemporânea
não foi capaz de realizar a delicada operação sugerida por Keynes de “integrar
o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o
mesmo voo do pensamento”.
Para finalizar minhas modestas e arriscadas
considerações a respeito de ciência e ideologia - tema tão controvertido - peço
licença para recorrer a Machado de Assis:
“Há sempre três ou quatro pessoas
(principalmente agora) que tratam das cousas financeiras e econômicas, e das
causas das cousas, com tal ardor e autoridade, que me oprimem. É, então, que
leio algum jornal, se o levo, ou rôo as unhas - vício dispensável; mas antes
vicioso que ignorante. Quando não tenho jornal, nem unhas, atiro-me às tabuletas.
Miro ostensivamente às tabuletas, como quem estuda o comércio e a indústria...
Foi assim que, um dia, há anos, não me lembra em que loja, nem em que rua,
achei uma tabuleta que dizia: Ao Planeta do Destino. Intencionalmente obscuro,
este título era a nova edição da esfinge. Pensei nele, estudei-o, e não podia
dar com o sentido, até que me lembrou virá-lo do avesso: Ao Destino do Planeta.
Vi logo que, assim virado, tinha mais senso; porque, em suma, pode admitir-se
um destino ao planeta em que pisamos. Talvez a ciência econômica e financeira
seja isso mesmo, o avesso do que dizem os discutidores de bondes. Quantas
verdades escondidas em frases trocadas! Quando fiz esta reflexão exultei.
Grande consolação é persuadir-se um homem de que os outros são asnos”.
*Esse artigo foi escrito a partir dos
livros Manda quem Pode, Obedece quem tem Prejuízo e A Escassez na Abundância
Capitalista
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp e da Universidade Federal de Goiás.
Cínico.
ResponderExcluirMAM
O que pode haver de Diógenes em "modestas e arriscadas considerações";
ResponderExcluirarrematadas por Machado de Assis??
Em tempo:..,.“If you don't know what you are doing,
ResponderExcluirfor God’s sake, do it gently.
(William Brainard, 1935-. Monetary economist and
Yale University professor)