O Globo
Em livro póstumo, jornalista mostra como
personalidade de governantes ajuda a moldar seus mandatos e influi nos rumos do
país
Itamar Franco havia
acabado de assumir a Presidência quando mandou a Receita promover uma devassa
nos laboratórios farmacêuticos. A auxiliares perplexos com a medida, explicou:
sua cozinheira havia se queixado de um aumento abusivo nos remédios.
“Ele conversou à noite com dona Raimunda”,
cochichavam os assessores, a cada vez que o chefe anunciava uma nova
intervenção na economia. O voluntarismo se tornaria uma marca do mineiro, que
definia o próprio temperamento como mercurial.
É inevitável: a personalidade dos governantes ajuda a moldar seus mandatos e definir os rumos do país. A constatação motivou a jornalista Cristiana Lôbo a escrever “O que vi dos presidentes — Fatos e versões”, que terá lançamento póstumo no dia 29. O livro foi finalizado por Diana Fernandes, ex-coordenadora de Política do GLOBO em Brasília. As duas começaram o projeto em 2016, em meio à crise que culminaria na derrubada de Dilma Rousseff.
Cristiana descreve Itamar como um
personagem teimoso e impulsivo, mas deixa claro que ele não era do tipo que
rasga dinheiro. Ao apostar na autenticidade, o ex-presidente se revelou um
grande marqueteiro de si mesmo.
Seu antecessor, Fernando
Collor, era ainda mais preocupado com a própria imagem. Mas os truques que
impulsionaram sua campanha se mostraram ineficazes na hora do aperto. Quando
ele precisou de ajuda para escapar da cassação, a arrogância no trato com os
políticos cobrou um preço salgado.
Eleito após o mandato-tampão de
Itamar, Fernando
Henrique Cardoso levou um estilo bem diferente ao Planalto. Cristiana
o define como um sedutor, que sabia construir pontes e agradar aliados. “Você
podia entrar no gabinete odiando o Fernando Henrique, mas saía de lá
apaixonado”, resumiu o ex-deputado Inocêncio Oliveira, uma das dezenas de
fontes que ajudaram a jornalista a traçar os perfis dos presidentes.
Em Lula,
Cristiana identificou um líder agregador, com a capacidade de defender os
trabalhadores sem se indispor com os patrões. O livro descreve o petista como
um político generoso, mas ressalta seu instinto de sobrevivência. Pragmático,
ele nunca hesitou em descartar velhos companheiros para preservar a própria
pele.
Dilma Rousseff aparece como uma governante
pouco vocacionada para o poder. Autossuficiente, ela se notabilizou por
desprezar conselhos e ralhar com subordinados. Ao ser questionada sobre a vida
no palácio, dizia não se importar com a solidão. “Eu pego meu livro e pronto”,
desdenhava.
Nada mais distante do temperamento de José Sarney.
No primeiro capítulo do livro, o autor de “Marimbondos de fogo” é descrito como
um político afável, porém inseguro. Entrou em pânico ao saber que precisaria
tomar posse no lugar de Tancredo Neves. Atormentado por uma depressão crônica,
ele deixou legado contraditório: fracassou no combate à inflação, mas garantiu
a transição pacífica para a democracia.
Uma das jornalistas mais bem informadas do
país, Cristiana foi pioneira em levar para a TV a cobertura dos bastidores da
política. Para quem gostava de acompanhá-la na GloboNews, seu livro tem o sabor
de um papo no cafezinho.
Legal,faltou Bolsonaro.
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