domingo, 6 de agosto de 2023

Bernardo Mello Franco – O poder visto de perto

O Globo

Em livro póstumo, jornalista mostra como personalidade de governantes ajuda a moldar seus mandatos e influi nos rumos do país

Itamar Franco havia acabado de assumir a Presidência quando mandou a Receita promover uma devassa nos laboratórios farmacêuticos. A auxiliares perplexos com a medida, explicou: sua cozinheira havia se queixado de um aumento abusivo nos remédios.

“Ele conversou à noite com dona Raimunda”, cochichavam os assessores, a cada vez que o chefe anunciava uma nova intervenção na economia. O voluntarismo se tornaria uma marca do mineiro, que definia o próprio temperamento como mercurial.

É inevitável: a personalidade dos governantes ajuda a moldar seus mandatos e definir os rumos do país. A constatação motivou a jornalista Cristiana Lôbo a escrever “O que vi dos presidentes — Fatos e versões”, que terá lançamento póstumo no dia 29. O livro foi finalizado por Diana Fernandes, ex-coordenadora de Política do GLOBO em Brasília. As duas começaram o projeto em 2016, em meio à crise que culminaria na derrubada de Dilma Rousseff.

Cristiana descreve Itamar como um personagem teimoso e impulsivo, mas deixa claro que ele não era do tipo que rasga dinheiro. Ao apostar na autenticidade, o ex-presidente se revelou um grande marqueteiro de si mesmo.

Seu antecessor, Fernando Collor, era ainda mais preocupado com a própria imagem. Mas os truques que impulsionaram sua campanha se mostraram ineficazes na hora do aperto. Quando ele precisou de ajuda para escapar da cassação, a arrogância no trato com os políticos cobrou um preço salgado.

Eleito após o mandato-tampão de Itamar, Fernando Henrique Cardoso levou um estilo bem diferente ao Planalto. Cristiana o define como um sedutor, que sabia construir pontes e agradar aliados. “Você podia entrar no gabinete odiando o Fernando Henrique, mas saía de lá apaixonado”, resumiu o ex-deputado Inocêncio Oliveira, uma das dezenas de fontes que ajudaram a jornalista a traçar os perfis dos presidentes.

Em Lula, Cristiana identificou um líder agregador, com a capacidade de defender os trabalhadores sem se indispor com os patrões. O livro descreve o petista como um político generoso, mas ressalta seu instinto de sobrevivência. Pragmático, ele nunca hesitou em descartar velhos companheiros para preservar a própria pele.

Dilma Rousseff aparece como uma governante pouco vocacionada para o poder. Autossuficiente, ela se notabilizou por desprezar conselhos e ralhar com subordinados. Ao ser questionada sobre a vida no palácio, dizia não se importar com a solidão. “Eu pego meu livro e pronto”, desdenhava.

Nada mais distante do temperamento de José Sarney. No primeiro capítulo do livro, o autor de “Marimbondos de fogo” é descrito como um político afável, porém inseguro. Entrou em pânico ao saber que precisaria tomar posse no lugar de Tancredo Neves. Atormentado por uma depressão crônica, ele deixou legado contraditório: fracassou no combate à inflação, mas garantiu a transição pacífica para a democracia.

Uma das jornalistas mais bem informadas do país, Cristiana foi pioneira em levar para a TV a cobertura dos bastidores da política. Para quem gostava de acompanhá-la na GloboNews, seu livro tem o sabor de um papo no cafezinho.

 

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