domingo, 6 de agosto de 2023

Merval Pereira - Chanchada II

O Globo

Dá vergonha mesmo de ser brasileiro diante de um comportamento tão escrachado de um militar graduado assessor de um presidente da República

O que não faria Carlos Manga, o mais icônico diretor de chanchadas da Atlântida, ou Woody Allen, que no filme "Bananas" mostra um bando de guerrilheiros pedindo 300 sanduíches numa cidade do interior de um país sul-americano, ironizando o que aconteceu em Ibiuna no Congresso clandestino da UNE em 68, se tivessem nas mãos o seguinte roteiro: um tenente-coronel do Exército brasileiro, ajudante de ordens do presidente da República, negociando a venda de um relógio de luxo que recebeu de presente de um governo estrangeiro? Mais: que um hacker estelionatário se reuniu com militares no Ministério da Defesa para ajudá-los a montar uma estratégia para provar que as urnas eletrônicas eram violáveis?

O papel dos militares no governo Bolsonaro ganha cada vez contornos mais bizarros, sem que o ministério da Defesa assuma oficialmente uma repulsa a comportamentos que desonram a corporação. Justamente por questões corporativas, não há o rigor que costuma ocorrer quando regulamentos são descumpridos.

O caso do Tenente-Coronel Mauro Cid é exemplar. Filho de família de militares, ele aparece a cada dia com ações desmoralizantes, sendo a venda do Rolex incrustado com diamantes o ponto alto até agora. Anteriormente, o escândalo das joias recebidas por Bolsonaro como presente de Estado, e de que o então presidente da República tentou tomar posse, parecia ser imbatível.

O empenho em resgatar as joias confiscadas pela Receita Federal por não terem entrado no país de maneira legal - na mochila de um assessor ministerial - indicava a intenção de se apossar delas. Até um avião da FAB foi enviado para São Paulo com um assessor para pressionar a Receita a liberá-las. Mas, negociar a venda do Rolex incrustado de diamantes através de troca de mensagens parece além da imaginação. Invenção de um diretor criativo para reforçar a crítica a uma autoridade.

Mas aconteceu de verdade, dá vergonha alheia de ler. Aliás, não é vergonha alheia, é vergonha mesmo de ser brasileiro diante de um comportamento tão escrachado de um militar graduado assessor de um presidente da República.

Outra situação degradante é a atuação do hacker Walter Delgatti, que ficou famoso por ter conseguido, por meios ilegais, diálogos entre os procuradores de Curitiba e o então juíz da Lava-Jato Sérgio Moro. Transformado em ídolo da esquerda brasileira, comparado a Edgard Snowden, que trabalhou na CIA e na NSA e revelou programas de vigilância global dos Estados Unidos, Delgatti foi preso, mas os diálogos conseguidos de maneira ilegal serviram de base para a campanha de desmoralização da Operação Lava-Jato e anulação das condenações de Lula, permitindo que ele saísse da prisão e concorresse às eleições de 2022.

As voltas que o mundo dá: Bolsonaro, que passou a campanha inteira chamando Lula de “descondenado”, acusando os que criticavam a Lava-Jato, e tendo a seu lado como conselheiro o ex-juiz Sérgio Moro, no governo ajudara a acabar com o combate à corrupção para proteger os seus, levando Moro a se demitir. Derrotado por Lula, Bolsonaro, ainda presidente, aproximou-se de Delgatti através da deputada Carla Zambelli.

Pelos relatos, elogiou-o por ter desmoralizado a Lava-Jato, e pediu sua ajuda para provar que as urnas eletrônicas eram vulneráveis. Mandou que o Coronel Câmara, um de seus assessores no gabinete presidencial, levasse “o garoto” ao ministério da Defesa, que àquela altura organizara uma comissão teoricamente para ajudar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a superar dúvidas sobre as urnas. Na prática, desconfiava-se na ocasião e sabe-se agora, a Comissão militar tinha o objetivo de provar a inviabilidade das urnas eletrônicas.

Delgatti, ressentido com o que considera uma desfeita do PT, que não soube agradecer o serviço prestado por ele para soltar Lula, aliou-se a Bolsonaro e ajudou o ministério da Defesa, segundo seu relato que constará de uma delação premiada, a montar um documento com várias perguntas que colocavam em xeque a inviolabilidade das urnas. O que dizer de um hacker condenado ter acesso a uma comissão especial do ministério da Defesa?

 

4 comentários:

  1. Há alguma forma de explicar Sérgio Moro?
    ▪Há uma forma de escrever em tamanho insuportavelmente pequeno o nome de alguém que fez um trabalho muito grande e importante para o pais no combate à corrupção e que depois mostrou-se do mesmo tamanho que os anões morais que combateu ao apareceu misturado como farofa à facção criminosa adversária?

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  2. Moro é contra a corrupção só se for da esquerda.

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    1. Sim; moro só é contra a corrupção quando é de esquerda! E quem se diz "de esquerda" no Brasil só era contra a corrupção quando era a do que eles acham (ou preferem dizer) que é a direita.

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  3. Os ingênuos estão desculpados ; os cínicos, merecem o nosso desprezo!

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