O Globo
Pequim ouvia todo mundo, inclusive Delfim
Netto
Está nas livrarias “Como a China escapou da
terapia de choque”, da economista alemã Isabella M. Weber. O livro vai além,
mostra por que e como a China deu certo. Ele é produto da qualidade de sua
formação intelectual e do vigor da academia chinesa. A professora serviu-se de
uma bibliografia rica e, sobretudo, de entrevistas, em chinês, com 44
economistas e burocratas.
Quem quiser cortar caminho poderá começar
assistindo à entrevista de Weber ao repórter Mario Sergio Conti no programa
Diálogos, da GloboNews,
que irá ao ar nesta sexta-feira. Nele, virá a revelação das conversas de
chineses com o então ministro Delfim Netto nos anos 1980, durante o ocaso
inflacionário do Milagre Brasileiro.
Weber faz um estudo erudito da economia
chinesa e chega ao momento das reformas que acordaram o gigante:
— A mão invisível [do mercado] foi
introduzida sob a orientação da mão visível [do Estado].
Muitos países em muitas épocas tentaram
isso e deram com os burros n’água. A China conseguiu porque suas decisões foram
tomadas por meio de um sutil processo de consultas.
Na cúpula, a política chinesa é feroz. O presidente Liu Shaoqi morreu em 1969 numa enxovia, e a poderosa mulher de Mao Tsé-Tung matou-se na cadeia. (Pelo menos 16 milhões de chineses, possivelmente 40 milhões, morreram de fome.) Depois da morte de Mao, a sutileza operou no meio de campo.
No renascimento da China surgiram figuras
que, durante a Revolução Cultural (1966-1976), haviam sido desterradas ou
presas. Sun Yefang dizia que “a lei do valor não era a marca registrada do
capitalismo, mas uma regra econômica universal”.
Em 1977, quando o general Sylvio Frota
achava que o presidente Ernesto
Geisel tinha algo de socialista por ter restabelecido as
relações com a China, o sucessor de Mao, Hua Guofeng, mandou missões
exploratórias ao mundo para estudar as reformas necessárias para a China. Em
1978, quando começou a era de Deng Xiaoping, ele tinha um slogan simples:
— Buscar a verdade pelos fatos.
O livro de Weber é também um mergulho nas
ideias dos economistas de todas as correntes. Os chineses ouviam ex-defensores
da ortodoxia stalinista e liberais como Milton Friedman. (Em 1973, Friedman
esteve no Brasil, mas o presidente eleito Ernesto Geisel não teve agenda livre
para recebê-lo.)
Weber mostra que o modelo maoista foi
virado de cabeça para baixo por um gradualismo experimental. As lutas internas
persistiram. O primeiro-ministro Zhao Ziyang morreu em 2005, em confortável
prisão domiciliar. A despeito disso, os economistas e os burocratas chineses
ouviam-se. Numa comparação grosseira, os tucanos chineses ouviram Eduardo
Suplicy, e os petistas ouviram Pedro Malan.
Duas gerações que poderiam ter se chocado
convergiram, olhando para a frente. Mao mandou milhões de jovens para
reeducarem-se no campo. Alguns deles estiveram no núcleo da virada porque
entenderam a pobreza. Um deles foi Zhou Jiaming, o que conversou com Delfim.
Ele ralou um exílio até 1989.
Em Pindorama, ao tempo em que Geisel não
teve agenda para Friedman, a editora de um banqueiro conseguiu que o professor
americano Paul Samuelson concordasse com a supressão de alguns parágrafos de
seu livro onde previa que aquele Milagre Brasileiro poderia azedar.
Weber fecha seu livro com a voz do poeta
Antonio Machado (1875-1939):
— Caminhante, suas pegadas são o caminho e
nada mais; caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.
Excelente artigo!
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